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Água de lago do Parque Anauá é imprópria, mas banhistas ignoram perigos

Atualizado: 4 de nov. de 2019


Em dias de calor, visitantes mergulham na água suja do lago do maior parque público de Roraima (Foto: Jéssica Cavalcante)

Texto e edição final: João Paulo Pires

Fotos e vídeos: JB Fernandes e Jéssica Cavalcante


Um marco do urbanismo e ponto de referência em Boa Vista, o Parque Anauá possui 106 hectares e é considerado o maior parque urbano da região norte do Brasil. Construído no início dos anos 80, o local era conhecido na metade do século passado como Fazenda dos Americanos.


Com várias estruturas adicionadas no decorrer de sua existência, como o forródromo (área coberta para shows), parque aquático, pistas de bicicross, motocross, patins, skate e aeromodelismo, o Anauá tem ainda uma praça de águas, um ginásio esportivo e o único museu de história natural e cultural do estado —estes últimos prédios inativos e abandonados pelo poder público.


Além disso, dentro do parque existe um conhecido lago perene, chamado de Lago dos Americanos. Nos finais de semana, visitantes preenchem os gramados ao redor do local para fazer reuniões, piqueniques, pedalar e realizar caminhadas, além de outros esportes.


Um fenômeno está sendo observado com maior frequência no parque: são banhistas que entram no Lago dos Americanos,em uma prática que pode ser danosa à saúde.


Responsável pela gestão do Parque Anauá, a Secretaria Estadual de Educação (Seed) afirma que o manancial é um local de preservação, com finalidade de ornamentação e que não são permitidos banhistas ali.


Por esse mesmo motivo, segundo a pasta, não há bombeiros militares salva-vidas no lago, apesar de não existirem placas que sinalizem proibição ou balneabilidade imprópria.


O governo diz ainda que trabalha junto a órgãos fiscalizadores em ações para alertar os visitantes do Parque Anauá quanto às restrições no lago. Também há algumas iniciativas populares que estimulam a limpeza da área.


A dona de casa Adriana Vélez, 25, é venezuelana mora há seis meses em Boa Vista. Ela gosta de frequentar o Parque Anauá todos os finais de semana com os dois filhos, onde tomam banho no Lago dos Americanos, apesar dos avisos de outros visitantes que recomendam não entrarem na água ‘para não adoecerem’.


“Venho porque gosto muito do espaço. É mais aberto e os meninos podem tomar banho aqui, é mais divertido. Às vezes está sujo, às vezes está limpo, mas depende do dia”, diz.


A família de Adriana não é a única a entrar no local. É possível presenciar banhistas todos os dias no local, principalmente nos finais de tarde, inclusive em dias de semana. Eles geralmente compartilham o espaço com plantas, lodo, lama, sacolas plásticas e copos descartáveis. Na areia ao redor do lago há garrafas, cacos de vidro e fezes de cachorros, que causam fedor quando aquecidos pelo forte sol da tarde.



O funcionário público André Simões, 36, é ciclista amador e pedala todos os dias dentro do Parque Anauá. Ele afirma que não são raras as vezes em que vê banhistas saltando do pequeno cais para a água no lago. Segundo André, além da água ‘nitidamente suja e contaminada’, o risco de algum banhista se machucar é enorme.


“Sinceramente não sei como nunca vi um acidente. Agora está mais seco e você vê áreas mais rasas. É arriscado, esses meninos podem quebrar o pescoço num mortal desses”, relata, em referência às piruetas feitas pelas crianças que pulam no lago. “Isso sem falar que a água é suja, tem fezes na areia, lata, garrafa. Alguém pode se cortar, pegar uma doença”, completa Simões.


Funcionário do parque retira sujeira do Lago dos Americanos (Foto: JB Fernandes)

A bióloga e professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Núbia Abrantes, acompanha o Lago dos Americanos há vários anos e garante que a água do local não é contaminada, apesar de toda a poluição aparente.


“Contaminação é no caso de microrganismos ou mercúrio, por exemplo. Isso é prejudicial ao ser humano. No caso da poluição visual, você pode tirar esses objetos e a água não necessariamente permanece contaminada”, explica.


A prefeitura de Boa Vista não tem ingerência sobre o local, que é administrado pelo governo do estado. A Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) afirma que atualmente não possui nenhum estudo ou coleta de dados que analise a qualidade da água no lugar.



Questão de saúde


O Lago dos Americanos é represado por uma comporta dentro do parque e dá origem ao igarapé Mirandinha. O percurso do riacho está dentro da área urbana de Boa Vista, quase todo canalizado e percorre 3,5 km por cinco bairros —Bairro dos Estados, 31 de Março, Aparecida, Caçari e Canarinho— até desaguar no rio Branco, principal do estado e fonte de água potável.


Apesar da pouca informação oficial sobre a qualidade da água do lago, o médico infectologista Mauro Asato ressalta que no local pode conter o caramujo africano, espécie invasora no Brasil capaz de transmitir a meningite eosinofílica, causada por um verme hospedeiro do molusco. “Essa meningite causa danos sérios ao sistema nervoso central do ser humano”, alerta.


A água parada do lugar não é potável e não serve para ser consumida ou mesmo para extrair peixes, já que o ambiente é propício para a proliferação de larvas e o contato pode causar cólera, febre tifóide, hepatite A e outras enfermidades que causam diarreia aguda.


Sangradouro do Lago dos Americanos permanece seco durante épocas mais quentes (Foto: JB Fernandes)

Além disso, um estudo realizado em 2013 pela Universidade Estadual (UERR) em parceria com o Museu Integrado de Roraima aponta que o igarapé Mirandinha, que nasce no parque, já sofreu um grande processo de degradação ambiental causado pelo lançamento de esgoto nas águas e ocupação irregular em suas margens.


Para piorar, a canalização, tubulação e nivelação em linha reta da fonte, realizadas pela prefeitura municipal, pioraram ainda mais a qualidade de água e as chances de sobrevivência do bioma do igarapé.


A Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer) relata que existe um “suspiro de esgoto” que faz parte do sistema ligado à elevatória instalada próxima ao igarapé, que recebe o esgoto de clientes na região antes de enviar para tratamento na lagoa de estabilização e posterior devolução ao rio.


“Quando algum material despejado causa entupimento, a companhia faz a limpeza e reinicia o sistema”, disse a empresa, por meio de nota.


Localização do curso do igarapé Mirandinha em Boa Vista (Imagem: Marcio Farkas Tonello, Eliene da Silva Ferreira, Iolanda Oliveira Monteiro Rodrigues e Vladimir de Souza/UFRR)


História


Na publicação “Anauá: área verde, lazer e cultura para a capital de Roraima”, de 1989, o arquiteto e urbanista cearense Otacílio Teixeira Lima Neto, responsável por projetar o formato que o Parque Anauá conserva até os dias de hoje, conta que, no final dos anos 40, um americano apelidado de “Black” e sua mulher, Miss Beverly, compraram a área e montaram uma espécie de restaurante no lugar.

Pôr do sol no Lago dos Americanos, no Parque Anauá (Foto: JB Fernandes)

O ponto virou um sucesso e os habitantes de Boa Vista passaram a chamá-lo de “Lago dos Americanos”, que ficava na “Fazenda dos Americanos”, em referência aos donos, antes de finalmente virar área institucional do então Território Federal. Somente no final dos anos 70 o governo começou a construir obras fixas na região e planejou efetivamente o parque urbano no local.


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