O Amazoom faz uma reconstituição da tragédia humanitária ocorrida na fronteira do Brasil com a Venezuela em agosto de 2018
Por Luiz Valério
A imigração é um fenômeno mundial que desafia o senso de solidariedade do ser humano em nível planetário. Pelos motivos os mais diversos, seja por questões políticas e/ou religiosas, inclusive para fugir da fome e das intempéries climáticas, milhões de pessoas se deslocam em todo o mundo do seu país de origem para outras nações em busca da sobrevivência. Essa realidade que nos parecia tão distante, à qual assistíamos apenas pelos telejornais, veio bater bem à nossa porta, aqui em Roraima - um estado abandonado à própria sorte, governado por uma classe política relapsa e perdulária, e encravado numa região de tríplice fronteira, naquilo que para muitos, de olhar preconceituoso, se configura nos confins do Brasil. Desde meados de 2016, convivemos com os efeitos de uma das maiores crises humanitárias das últimas décadas.
A crise socio-político-econômica que atingiu a Venezuela, logo após a morte do presidente Hugo Chávez, motivada pelo desastroso governo bolivariano do sucessor Nicolás Maduro, empurrou para vários países da América do Sul, como Colômbia, Bolívia, Peru, Chile, Bolívia e Equador milhões de venezuelanos que, não suportando mais a perseguição política, a fome ou a falta de trabalho e de assistência médica, passaram a buscar abrigo em qualquer lugar onde acreditassem que poderiam recomeçar sua vida. Desde então, Roraima já recebeu algo em torno de 70 mil refugiados ou imigrantes. Eles se espalham por todo o território do estado. Não há um único município roraimense onde não haja imigrantes venezuelanos em busca de um recomeço de vida.
Dessa forma, Roraima, um estado ainda em fase de consolidação, cheio de problemas estruturais para resolver e detentor de uma economia que patina no subdesenvolvimento - somos o menor PIB do Brasil -, se transformou no principal destino dos imigrantes venezuelanos.
Com a deterioração da economia da Venezuela, o fluxo de imigrantes se intensificou a partir de 2016 nesta parte extrema do Brasil sem que as autoridades federais e locais esboçassem qualquer política de recepção minimamente racional. Fugindo aos milhares da brutalidade do sistema político vigente no país vizinho, milhares de pessoas seguiram rumo a Pacaraima, última cidade brasileira na fronteira, em busca de refúgio e melhoria de vida do lado de cá da fronteira.
De Pacaraima, os migrantes seguem a pé ou de carona, aos montes, para a capital Boa Vista.
Diante da atitude relapsa do Poder Central brasileiro, a paisagem urbana dos municípios de Pacaraima e de Boa Vista - as duas cidade inicialmente mais impactadas pela imigração - começou a mudar de forma dramática. Pequenas favelas começaram a se formar nas ruas e praças. Famílias inteiras passaram a morar em barracas improvisadas sem nenhuma condição de higiene ou a mínima dignidade. Era o princípio do caos em formação.
Parte pelas administrações locais incompetentes, parte pela omissão da União, os serviços de educação e saúde de Roraima já eram deficitários desde sempre. Com a chegada dos imigrantes, aos milhares, os serviços foram pouco a pouco mostrando falência e entraram em estado de colapso. Hoje, não tem um único município roraimense que não esteja com seus serviços públicos impactados pela presença dos imigrantes, todos eles carentes de tudo. São pessoas famintas, doentes e perdidas num ambiente hostil que lhes olha com desdém e preconceito.
A incapacidade do poder público de atender as demandas dos brasileiros por educação e saúde, aliada à busca crescente dos imigrantes pelos mesmos serviços, resultaram na crescente insatisfação dos nacionais com a presença dos estrangeiros em Roraima. A hospitalidade inicial que mobilizou redes de solidariedade para levar um pouco de alento aos imigrantes foi aos poucos cedendo lugar a uma antipatia crescente que fez explodir aqui e ali episódios de animosidade. O envolvimento de alguns venezuelanos em situação de vulnerabilidade em crimes de roubo e homicídios fez explodir o sentimento de repulsa e de xenofobia dos brasileiros. O pavio da bomba com alto poder de destruição da falta de senso, da irracionalidade e do preconceito estava aceso.
Assim, chegamos ao dia 18 de agosto de 2018. Aquele deveria ter sido apenas mais um dia comum na pequena cidade de Pacaraima, situada na fronteira do Brasil com a Venezuela. Mas não foi. O que prometia ser um sábado como outro qualquer, transformou-se num dia fatídico em que explodiu “o levante de Pacaraima”- manifestação raivosa da população local contra os imigrantes venezuelanos, que fogem da ditadura socialista do presidente Nicolás Maduro, e resultou na expulsão de cerca de 1.200 pessoas do lugar.
Naquele dia, nada menos que duas mil pessoas saíram às ruas do pequeno município de Pacaraima, uma cidadela fronteiriça com a Venezuela, com uma população de pouco mais de 12 mil habitantes, decidida a expulsar os imigrantes que viviam em abrigos improvisados em suas ruas, calçadas e terrenos baldios. Os fatos registrados naquela manhã de sábado externaram o dilaceramento da boa vontade dos brasileiros.
Em meio a gritos de ódio, barracas, roupas, documentos, e o que restava da dignidade surrada dos imigrantes, foi queimado pela multidão furiosa. Lideranças locais, forjadas no calor da intolerância, clamavam por uma limpeza étnica na cidade. Os imigrantes eram, para eles, elementos sujos a manchar a paisagem urbana local. Temendo pela própria vida, 1.200 imigrantes acuados atravessaram a fronteira de volta para seu país de origem.
O episódio que desencadeou a fúria dos moradores da pequena cidade serrana foi o assalto a um comerciante local, supostamente praticado por venezuelanos. A partir daquele 18 de agosto, o comportamento dos brasileiros em relação aos imigrantes, que já havia se tornado arredio e pouco hospitaleiro, passou à mais completa indiferença e repulsa. Poucos dias depois, uma manifestação parecida com aquela de Pacaraima - também motivada por um episódio de violência em que tombaram mortos um brasileiro e um imigrante - levou moradores de Boa Vista a se armarem de paus e pedras dispostos a colocar imigrantes para correr. Mais uma vez, o resultado foi o regresso forçado de mais de duas centenas de venezuelanos para seu país. Eles temiam ser mortos pela multidão furiosa. Boa Vista mimetizou Pacaraima no que havia de mais animalesco e desumano.
Esta reportagem busca mergulhar nesse fenômeno de crise humanitária, onde a solidariedade começou a ser atropelada pelo extremismo e a xenofobia. O tensionamento da relação entre imigrantes e brasileiros, as implicações da do fenômeno imigratório, o descaso dos governos venezuelano e brasileiro que não dialogam em busca de soluções racionais para a questão. O sentimento de rivalidade alimentado pelos discursos de ódio que circulam nas redes sociais, tudo esse cenário caótico está em tela nesta reportagem.
Antes de qualquer coisa, é preciso lembrar que Roraima, como todo o Brasil, é um estado multiétnico, composto por dezenas de milhares indígenas das mais variadas etnias, assim como por pessoas vindas das mais diversas partes do país e do mundo, além dos milhares de índios das mais diversas etnias que povoam o território local há muito tempo.
Essa mistura étnica está evidente nas feições dos nativos e daqueles que ao longo das últimas décadas se misturaram a estes. A miscigenação de raças e etnias é mais evidente nesse microcosmo social do que em qualquer outra parte do Brasil. Mesmo assim, a capacidade de recepção de pessoas expulsas da sua pátria por um governo ditatorial não resistiu às primeiras tensões. No mais, o intercâmbio de pessoas daqui para a Venezuela e de lá para cá sempre ocorreu de forma razoavelmente tranquila, quando foi conveniente para os habitantes dos dois lados da fronteira. No entanto, agora estamos vivendo um momento de tensão social dos mais intensos.
Trata-se de uma situação que preocupa a todos e que, ao que parece, ainda está longe de se resolver.
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18 de agosto de 2018 – o dia em que Pacaraima entrou em fúria
Quem conheceu Pacaraima há uns dez anos não imaginava que a cidade fosse um dia se transformar num campo de refugiados a céu aberto, com um trânsito caótico e problemas relacionados a um fluxo migratório sem precedentes. Algo que antes só víamos em países distantes da Europa pelo noticiário internacional. Porém, o governo ditatorial de um homem ensandecido pelo poder – que afirma ouvir ordens de um passarinho – como é o caso de Nicolás Maduro, fez essa desconcertante realidade bater à porta dos pacaraimenses. Desde que os venezuelanos começaram a fugir da situação de miséria e instabilidade política vivida por seu país, por volta dos anos 2015-2016, a paisagem urbana de Pacaraima (e de todo o Estado de Roraima) mudou muito. Não demoraria para que um conflito igualmente sem precedentes eclodisse, diante de uma situação de vulnerabilidade tão gritante.
Com suas ruas apinhadas de imigrantes vivendo em situação de miséria, com famílias inteiras ocupando calçadas, praças, terminal rodoviário e qualquer ponta de terreno baldio que encontrassem pela frente, o município fronteiriço de Pacaraima foi vendo sua situação social se deteriorar, seus serviços de saúde se esgarçarem e a sensação de insegurança bater à porta da população. “Eu moro aqui na fronteira há 11 anos e nunca tínhamos tido problemas com os venezuelanos. O trânsito deles para o lado brasileiro e o nosso para Santa Elena de Uairén, por exemplo, sempre fez parte da dinâmica da vida aqui na fronteira. Era algo natural”, disse a professora de ensino fundamental Rita Rejane, cuja maioria dos alunos para quem ela ministra aula é de origem venezuelana.
Mas, na noite do no dia 17 de agosto de 2018, algo de brutal aconteceria, levando à perda do bom senso de ambos os lados e culminando com o levante de Pacaraima, manifestação belicosa ocorrida no dia seguinte, o fatídico 18 de agosto. Naquela noite, o comerciante Raimundo Nonato de Oliveira, de 55 anos, foi assaltado e agredido com um golpe de chave de fenda na cabeça. Por pouco não morreu em decorrência do traumatismo craniano. No desespero de socorrê-lo para receber atendimento médico em Boa Vista, entre a vida e a morte, as pessoas que buscavam ajuda pediram o apoio do Exército e teriam recebido a informação de que não havia carro disponível para o traslado. Conforme o relato dos moradores indignados, eles teriam recebido como resposta que a única ambulância ali existente era para atender apenas aos imigrantes. Esse fato causou indignação e despertou a fúria dos nacionais.
Mal raiava o dia 18 de agosto, um sábado, que para a professora Rita Rejane “tinha tudo para ser um dia normal, como qualquer outro sábado”, já começavam movimentações de moradores arregimentando mais pessoas para manifestações, cujo objetivo era expulsar os imigrantes venezuelanos das ruas da cidade. Discursos inflamados nos carros de som, gritos de “fora os assassinos e ladrões” ecoando aqui e dali, e o clima foi chegando a um ponto de completa instabilidade. Não demorou muito para que o movimento contra os imigrantes reunisse centenas de pessoas, que passaram a destruir as barracas armadas nas praças e terrenos baldios. Os pertences dos imigrantes venezuelanos foram queimados sem dó nem piedade. Por volta das 9h da manhã, o clima em Pacaraima era de guerra civil.
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Ao acordar naquele sábado, por volta das 6 horas, a professora Rita Rejane se preparava para fazer o café da sua família, quando ouviu gritos de pessoas na rua pedindo que os imigrantes se retirassem da cidade para evitar uma tragédia. “Fiquei assustada e temerosa do que poderia acontecer, mas confesso que não fazia ideia de que a situação de insatisfação fosse tomar a proporção que tomou”, disse Rejane.
Antes de sair à rua, porém, para ver o que se passava, ela seguiu sua rotina doméstica normalmente: tomou café marido e filha, arrumou a casa e, depois disso, pegou o telefone celular para ver o que acontecia nos grupos de WhatsApp, por onde se informa sobre os acontecimentos da cidade. Foi quando se deparou com a confusão generalizada. “No dia anterior, os comentários eram que os venezuelanos seriam tirados das ruas, mas eu não imaginei que fosse acontecer algo como aquela episódio. Foi assustador”, relatou.
Aquele conflito, no entanto, não foi um episódio produzido do dia para a noite. A insatisfação já “fermentava” no íntimo da classe empresarial local há algum tempo, fazendo surgir uma completa aversão aos imigrantes. “Para completar, as pessoas ficaram revoltadas com a tentativa de homicídio cometida contra seu Raimundo Nonato, um comerciante tradicional da nossa cidade, e decidiram fazer justiça com as próprias mãos”, disse o pequeno empresário João Kleber, que teve participação indireta na organização dos manifestos daquele dia. “Depois da intensificação do fluxo imigratório, nossa cidade passou a sofrer com o aumento da onda de violência. Comércios são arrombados, as pessoas são roubadas e agora mais essa tentativa de homicídio praticado por imigrantes”, relatou Kleber, em conversa por telefone, repetindo o senso comum reinante entre os moradores locais.
Mais tarde, recuperado do trauma sofrido na cabeça em decorrência do golpe com chave de fenda, Raimundo Nonato disse em entrevista ao G1 Roraima não esperar tamanha repercussão em decorrência da agressão sofrida por ele. Foi a invasão ao seu comércio e a tentativa de homicídio contra o comerciante que fez eclodir a confusão, cujo resultado foi a expulsão de 1.200 venezuelanos das ruas de Pacaraima. “Não esperava essa repercussão toda. Nunca fiz mal a ninguém, nunca matei, nem roubei, trabalho, pago minhas contas, mas nunca pensei passar por uma situação dessas, pensei que ia morrer, mas Deus não permitiu que eles me matassem”, disse. Devido ao ferimento, seu Raimundo, como é conhecido no município, levou 13 pontos na cabeça e recebeu sete bolsas de sangue.
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Omissão das autoridades e presença do crime organizado levaram Pacaraima à instabilidade
Um policial militar lotado no Destacamento da Polícia Militar de Pacaraima, ouvido pela reportagem mas que não pode ser identificado por motivos óbvios, disse que o levante de Pacaraima foi fruto de uma conjunção de fatores, que passa pela omissão das autoridades governamentais e pelo espalhamento dos tentáculos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) na fronteira do Brasil com a Venezuela.
Expulsos de seu país pela miséria, pela falta de políticas de saúde e pela instabilidade econômica, os imigrantes venezuelanos foram se amontoado nos arredores de Pacaraima e depois nas espaços urbanos da cidade. “Como é comum acontecer nessas situação, junto com as pessoas de bem atravessaram a fronteira bandidos e delinquentes de toda ordem, vindos do país vizinho. Essa realidade fez aumentar a violência e os roubos no comércio”, relatou o militar.
Segundo policial, diante da instabilidade então reinante na fronteira, o crime organizado se instalou por lá, representado pelas duas perigosas e sanguinárias facções que disputam o poder dentro e fora dos presídios em Roraima e pelo Brasil a fora. A falta de segurança na fronteira permitiu o avanço dessas organizações também para a Venezuela. Seus integrantes passaram a agir livremente de um e de outro lado da fronteira, promovendo o tráfico de drogas, recrutando novos membros e fomentando o aumento da violência.
“Hoje o tráfico de drogas envolve venezuelanos que passaram a fazer parte do Comando Vermelho e está presente no município de Pacaraima. Já o PCC se instalou do outro lado da fronteira, em Santa Elena de Uairén, iniciando uma briga de facções”, relatou. Sem que o Governo Federal brasileiro desse a devida atenção a essa situação até antes do levante de Pacaraima, o campo estava aberto para a escalada da violência por meio do recrutamento de estrangeiros pelas facções, que entraram no país e passaram a praticar todo tipo de crime do lado de cá da fronteira.
Todo esse cenário, aliado à situação de instabilidade social decorrente do fluxo imigratório descontrolado, serviu de pano de fundo para o esgarçamento das relações entre os brasileiros e os imigrantes. A violência cometida contra o comerciante Raimundo Nonato veio como o elemento final a criar o ambiente propício para os acontecimentos exacerbados do dia 18 de agosto de 2018. Antes daquela sexta-feira (17 de agosto), quando seu Raimundo Nonato foi agredido, nunca havia tido nenhum acirramento entre brasileiros e venezuelanos, conforme pessoas ouvidas pela reportagem. “Agora vivemos uma situação de total insegurança. Vivemos trancados em casa. Não temos coragem de sair às ruas. Nossa cidade viu sua realidade, outrora tranquila, virar de ponta-cabeça. Nossa paz foi embora”, disse um morador de Pacaraima, poucos dias depois da expulsão dos 1.200 venezuelanos da cidade.
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Exército acusa desinformação, xenofobia e fake news como causas do conflito
Para as autoridades de Brasília, a Operação Acolhida, montada para receber os imigrantes venezuelanos, acomodá-los em abrigos, oferecendo-lhes comida e cuidados, é um sucesso. Quem mora na fronteira do Brasil com a Venezuela, contudo, não tem a mesma percepção. Desde o levante de Pacaraima, registrado em 18 de agosto de 2018, o Governo Federal já destinou algo em torno de R$ 450 milhões para auxílio aos imigrantes. É bem verdade que a situação pós-conflito na cidade fronteiriça melhorou um pouco com a injeção de tanto dinheiro e o reforço do Exército para controlar – tanto quanto possível – a entrada de imigrantes e garantir a segurança na fronteira. No entanto, na semana que se sucedeu à expulsão dos 1.200 venezuelanos das ruas de Pacaraima, o clima ainda era um tanto tenso e os coordenadores da Operação Acolhida se esforçavam para passar a impressão de que tudo estava sob controle.
A reportagem do Amazoom foi a Pacaraima poucos dias depois do levante promovido pelos moradores locais e encontrou uma situação ainda caótica. As ruas estreitas da cidade lembravam o trânsito desordenado e esteriotipado da Índia que vemos pela televisão. Carros, motos, bicicletas, pedestres se entrecruzavam pelas ruelas estreitas e carentes de cuidados da pequena urbe. As outrora tranquilas ruas e ruelas pacaraimenses ganharam um movimento sem precedentes com a presença dos imigrantes venezuelanos que se espalham por todos os lugares.
Esse cenário pós-conflito nos leva a imaginar como estava a situação da cidade nos dias imediatamente anteriores à revolta dos moradores contra os imigrantes. Mesmo que uma certa calma pairasse no ar naquele dia em que a reportagem esteve na cidade, ainda era possível sentir a atmosfera pesada decorrente do conflito ocorrido dias antes. O som e o sotaque venezuelano está presente em vários pontos da cidade, como os músicos que tocam músicas típicas do país vizinho nos restaurantes de Pacaraima e na fala das simpáticas atendentes desses estabelecimentos, vindas da nação destruída pela política insana de Maduro.
Nesta viagem a Pacaraima, uma das vozes ouvidas foi o Coronel Zanata, então coordenador da Operação Acolhida em Pacaraima. Ele contou que uma semana antes da revolta dos moradores contra os imigrantes, o Exército tinha feito uma sondagem sobre o número de pessoas para retirar os imigrantes das ruas. “Uma cidade que tem uma população de 12 mil habitantes, com mais de 1.000 pessoas estrangeiras vivendo nas ruas certamente chegaria a uma situação de instabilidade”, disse o militar. Zanata observou que por aqueles dias não havia abrigo para acomodar todos os imigrantes no município e uma das alternativas era retirar os estrangeiros das ruas da cidade. No entanto, antes que os militares pudessem por em prática o plano, eclodiu a revolta que resultou na expulsão de 1.200 pessoas de volta para o lado venezuelano.
Para o Coronel Zanata, o levante de Pacaraima foi decorrente de um sentimento crescente de xenofobia na população local. No dia do levante de Pacaraima havia a previsão de que mais 400 pessoas atravessassem a fronteira para o lado brasileiro. Foi preciso parar a entrada dos estrangeiros, pois o ambiente estava inseguro. Zanata concorda que a cidade não comportava tanta gente, mas como o Brasil é signatário dos tratados internacionais que tratam sobre imigração, não era possível negar a entrada para os imigrantes. “Por aqueles dias, cerca de 300 venezuelanos dormiam nas ruas de Pacaraima e diariamente entravam no Brasil algo em torno de 500 pessoas, cuja maioria rumava para Boa Vista. Era uma situação delicada”, comentou o então coordenador da Operação Acolhida, que estava prestes a ser substituído, ao rememorar que 11 pessoas ficaram levemente feridas em decorrência da confusão do dia 18 de agosto.
“Aqui em Roraima tem se criado toda essa tensão devido à entrada dos imigrantes, mas o Brasil não é o país que mais recebe venezuelanos. Na verdade, a Colômbia é quem mais tem recebido imigrantes do país vizinho”, disse ele. De acordo com Zanata, a operação interministerial de ajuda humanitária, mais tarde transformada na Operação Acolhida, tinha a missão de agir em três frentes: fazer o controle da fronteira, receber e abrigar os venezuelanos que entram no Brasil e providenciar a interiorização daqueles que aceitem ser deslocados para outros estados do Brasil. “Nós estamos aqui cumprindo uma missão que nos foi atribuída pelo governo brasileiro”, afirmou.
Zanata rechaçou a informação que deflagou o levante de Pacaraima. Segundo ele, a versão dos moradores locais de que o Exército teria negado uma ambulância para transportar o comerciante Raimundo Nonato para Boa Vista não passa de uma fake news. “O que aconteceu foi que o pedido da liberação da ambulância não foi feito para a pessoa certa. Eu tentei manter contato com o diretor do hospital (ele se refere ao Hospital Délio Tupinambá, de Pacaraima), mas não consegui”, disse. Talvez, se o contato tivesse sido bem sucedido, o conflito do dia seguinte tivesse sido evitado. “O que houve depois foi o exagero das atitudes que levaram à inflamação dos ânimos”, resumiu.
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Pouca coisa mudou em Pacaraima desde o levante de agosto de 2018
Para o prefeito Juliano Torquato (PRB), o levante de Pacaraima foi decorrente da falta de apoio para os familiares do comerciante Raimundo Nonato, que estavam aflitos para salvar a vida do homem à beira da morte, devido a agressão sofrida na sexta-feira, 17 de agosto. “Os familiares e amigos do seu Raimundo se sentiram sem apoio por parte dos governos federal e estadual na época do levante e acabou acontecendo aquela fatalidade. Antes, existia uma grande harmonia na convivência entre brasileiros e venezuelanos. Não havia nenhuma trito, mesmo com a ocorrência de algumas crimes que estavam sendo cometidos na época em Pacaraima”, disse.
Passado quase um ano do levante de Pacaraima, o prefeito vive correndo para todos os lados em busca de apoio financeiro e logístico seja do governo estadual ou federal para poder lidar com a situação social ainda calamitosa do município.
O gestor, eleito em 2016, viu a população de Pacaraima crescer assustadoramente desde que assumiu a prefeitura e as receitas continuaram no mesmo patamar. O Hospital Délio Tupinambá não tinha condições de atender à demanda ao tempo do conflito e continua enfrentando dificuldades para suprir a necessidade de atendimento de brasileiros e estrangeiros. Isso porque continua entrando imigrantes às centenas todos os dias. E a primeira parada em busca de atendimento para seus problemas de saúde é exatamente a cidade fronteiriça.
Num encontro de prefeitos do interior com o governador Antônio Denarium (PSL), realizado no dia 25 de junho último, Torquato apresentou as mesmas demandas que o preocupavam há um ano. “Nós convivemos com as dificuldades decorrentes da crise imigratória há três ou quatro anos. A cada dia surge uma dificuldade maior que a do dia anterior. Com essa mudança de governo, depois de 180 dias de gestão, nós viemos mostrar ao governador Antônio Denarium a realidade que o município vem enfrentando nos últimos tempos’, disse. Os problemas na área da segurança pública é o maior desafio vivido pela administração de Pacaraima. Ou seja, pouca coisa mudou de agosto de 2018 para cá.
“Existe muita dificuldade de fiscalização da fronteira, o que nos traz alguns transtornos como furtos, assaltos e muita delinquência no município. Outro desafio que enfrentamos é na área da educação, pois temos um número muito grande de crianças venezuelanas matriculadas na rede municipal. Passamos de 2.070 para 3.800 alunos matriculados, o que significa um aumento de 80%. Um total de 1.700 matrículas é de alunos venezuelanos”, disse Torquato.
Créditos:
Os vídeos que ilustram essa reportagem foram incorporados a partir do perfil no Facebook de Nabirra Aiachez
As fotos que acompanham os textos da matéria foram cedidas por João Kleber, Rodrigo Sales e a Assessoria de Comunicação do Governo de Roraima
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