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O impacto do nepotismo na participação das mulheres na política

Casos de nepotismo protagonizados por mulheres são os mais conhecidos pela população roraimense.


Por Allyne Bentes, Laura Silvestre e Thiago Marinho*

Infográfico de parentes nomeados por Suely Campos durante seu mandato como governadora de Roraima (2015-2018) – Foto: Reprodução / Ministério Público de Roraima.

A prática de nepotismo gera um impacto negativo e uma fratura na confiança pública em relação à eficácia administrativa da esfera política brasileira e de seus atores. A população e estudiosos acreditam que os efeitos negativos desta prática criminosa - mas muito comum no cenário político - recaem principalmente para as mulheres, afetando direta e indiretamente sua participação ativa na política.


“Na verdade, essa questão é muito mais complexa. O nepotismo, na questão da imagem da mulher, é muito mais estigmatizado em decorrência da estrutura social misógina, machista e patriarcal. Dessa forma, produz-se, reproduz-se e conserva-se, neste caso específico, a estigmatização e ‘abjeta’ a imagem da mulher”, explica Matheus Xavier, estudante do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e voluntário no Observatório da Violência Contra a Mulher. Além disso, o estudante também enfatiza que “a prática de nepotismo, em todas as suas circunstâncias, deve ser materialmente combatida”.


A descredibilidade social, o agravamento da desigualdade de gênero, a manutenção de estereótipos e o reforço de preconceitos e de práticas discriminatórias estão entre as principais repercussões causadas em toda a parcela minoritária feminina, quando uma mulher em posição de liderança faz uso de suas atribuições para a nomeação indevida de parentes em cargos públicos as consequências são mais evidentes.

Jornalista Cyneida Correia – Foto/Reprodução.

“O envolvimento de mulheres em casos de nepotismo é utilizado por opositores políticos como uma ferramenta para desacreditar não apenas a mulher envolvida, mas também para criar uma narrativa de que a política local é dominada por redes de favorecimento familiar, o que pode ser particularmente prejudicial para a luta pela equidade de gênero na política” aponta Cyneida Correia, jornalista política e professora da UFRR.


 

Isso também se reflete nas mulheres que são nomeadas por meio de nepotismo ou que se candidatam a um cargo político pelo motivo de seu marido ser de alguma forma inelegível, muitas são vistas apenas como meios para seus companheiros alcançarem um determinado objetivo.


“Infelizmente o que a gente tem é uma continuidade dessa política que ainda é patriarcal e o nepotismo é um exemplo disso: de como a mulher não deve ocupar o espaço político, que é um espaço de coadjuvante. Ela está ali para representar, mas o verdadeiro domínio, o verdadeiro bastidor político, é exercido pelo domínio masculino. A mulher é só a figura que está ali para ocupar esses espaços na ausência ou na impossibilidade desse homem” explica Luziene Parnaíba, pesquisadora sobre as relações de gênero e professora de Ciências Sociais da UFRR.


Das 40 primeiras notícias que aparecem na página de pesquisa do Google, quando se busca o termo “nepotismo em Roraima”, 17 delas são sobre casos de nepotismo envolvendo mulheres, principalmente a ex-governadora, Suely Campos. Em uma consulta pública realizada por essa reportagem entre jovens e adultos de 20 a 57 anos, quando lhes foram perguntados se conheciam algum caso de nepotismo no estado de Roraima, 28% exemplificam o Caso da Suely.

“É interessante também, por que realmente nepotismo é uma prática comum aqui no estado então pelo fato dela ser mulher, talvez as pessoas tenham ficado mais de olho no que ela estava fazendo” comenta a pesquisadora sobre a enfatização do Caso Suely em relação a outros de nepotismo no estado.

 

As Primeiras-Damas: uma Prática Nepotista


Em 35 anos de estado, Roraima segue carregando um legado de favorecimento familiar. Desde 1988, todos os governos exibem práticas comprovadas de nepotismo, refletindo uma cultura política que atravessa décadas. As primeiras-damas, frequentemente protagonistas nesse cenário, desempenharam papéis estratégicos tanto nas gestões anteriores quanto nas atuais, consolidando sua influência no cenário político local.


Governadores como Neudo Campos (1994 e 1998), José Anchieta Júnior (2006 e 2010) e Antônio Denarium (2018 e 2022) contribuíram para essa cronologia de práticas nepotistas, muitas vezes servindo ao fortalecimento de laços familiares em detrimento da ética pública.


Um exemplo notável foi em 2014, quando Suely Campos assumiu a candidatura e, posteriormente, o governo, após a inelegibilidade de seu marido, Neudo Campos, ex-governador. Em sua primeira semana de mandato, Suely nomeou 19 parentes para cargos-chave, incluindo filhas e irmãs. Contudo, o Tribunal de Contas de Roraima não considerou as nomeações ilegais, alegando que não se tratavam de casos evidentes de nepotismo.


Durante uma coletiva de imprensa, Neudo Campos afirmou que, se Suely fosse eleita, ele continuaria a exercer forte influência em seu governo, comparando seu papel a uma "sombra". Após a vitória de Suely, essa declaração ganhou forma quando ela criou um novo cargo no governo estadual, o de "Consultor Especial", ao qual Neudo foi prontamente nomeado, assegurando sua participação ativa e direta nas decisões da administração.


Suely Campos, Governadora de Roraima (2014-2018) - Foto: reprodução.

Em resposta às críticas, Suely Campos argumentou que o Ministério Público agiu de maneira precipitada e que outras administrações, como a de José de Anchieta Júnior, também utilizaram práticas semelhantes sem enfrentar o mesmo rigor. “O Governo de Roraima espera tratamento isento e igualitário dos órgãos de fiscalização do poder público, considerando que é uma prática comum na história de Roraima a nomeação de pessoas próximas aos gestores para ocupar importantes secretarias, tanto na esfera estadual como municipal”, relatou Campos.


Assim como Suely Campos, outras primeiras-damas também exerceram um papel fundamental na administração de seus maridos, a gestão de José de Anchieta Júnior (2006 a 2010 e 2010 a 2014) também contou com forte atuação. Shéridan de Anchieta tomou a frente da Secretaria da Promoção Humana e Desenvolvimento, desempenhando um papel central na execução de políticas públicas, além de liderar projetos de destaque como a Rede Viva Comunidade, o Crédito Social e o Programa Cuidar.


José de Anchieta Júnior e Shéridan de Anchieta - Foto: reprodução.

 

Já a gestão de Simone Denarium também não ficou isenta de polêmicas em torno do nepotismo. No dia 22 de maio de 2023, logo após sua eleição para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), seu marido, o atual governador Antônio Denarium, a exonerou do cargo de secretária de Desenvolvimento Humano e Social.




Em uma manobra política, Denarium transferiu o comando do governo para o presidente da Assembleia Legislativa, Soldado Sampaio, enquanto ele e o vice-governador estavam fora do estado. Sampaio, aliado do governo, nomeou Simone para o TCE, o que gerou uma avalanche de críticas, incluindo a acusação de que a nomeação visava proteger os interesses da família no governo. Mesmo com a nomeação oficial feita por Sampaio, a medida foi vista como uma estratégia para evitar que o governador tivesse ligação direta com o ato, mantendo assim as aparências.

 

Em maio, a candidatura de Simone foi aprovada por 17 deputados e, menos de 24 horas depois, ela foi empossada como conselheira. Críticos, como o deputado Jorge Everton, denunciaram o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à Assembleia Legislativa de Roraima, alegando que a nomeação configurava nepotismo.

Antônio e Simone Denarium - Foto: reprodução.

Especialistas como Elói Senhoras, cientista político da UFRR, reforçaram a necessidade de um maior rigor nas indicações de pessoas próximas a políticos para cargos em tribunais de contas.  “É preciso que seja exigido dos membros de tribunais, que tenham qualquer relacionamento com políticos, completo distanciamento e um rigor ainda mais forte. No caso do Tribunal de Contas do Estado (TCE), por exemplo, eles julgarão contas públicas e, em muitos casos, atos e fatos que envolvem, direta ou indiretamente, essas pessoas de quem são próximas”, compartilhou para a Agência Cenarium.

 

Participação das mulheres na política de Roraima


Em uma realidade onde os homens dominam o meio político e ocupam altos cargos de chefia, as mulheres vêm ganhando um espaço cada vez maior na política local e nacional. Embora o número esteja aumentando, as mulheres ainda não são tão bem representadas. Boa Vista, ao longo de sua história, teve apenas uma mulher no cargo de prefeita: Teresa Surita. No âmbito estadual, Suely Campos foi a única mulher a ocupar o cargo de governadora de Roraima. Boa Vista se tornou a capital do estado de Roraima em 1988, com a criação do estado pela Constituição Federal. Desde então, a cidade teve o total de cinco prefeitos e no estado houve 10 governadores.


Mesmo que elas componham 53% do eleitorado nacional e 51,3% do de Roraima, sua representação política ainda é muito pequena. Na Câmara dos Deputados, elas ocupam apenas 17,7% dos assentos, e a situação é ainda mais crítica no estado, onde apenas 12% das cadeiras da Assembleia Legislativa foram preenchidas por mulheres na eleição de 2022, uma queda significativa em relação aos 25% da legislatura anterior. Na última eleição municipal, de 23 vagas, apenas quatro foram ocupadas por mulheres na Câmara de Boa Vista.


Regiane Matos - Foto: Reprodução.

Uma das mulheres eleitas em 2020, é Regiane Matos, que foi candidata pelo partido político Movimento Democratico Brasileiro (MDB), Regiane conta como é o ambiente da Câmara e seus desafios “Depois de eleita, nós sabemos o quanto o ambiente da Câmara é hostil, machista, preconceituoso. Na Câmara Municipal de Boa Vista, somos 23 vereadores, e, desses, apenas quatro são mulheres. É muito importante ressaltar que no Brasil a maior parte do eleitorado é composto por mulheres, e, muitas vezes, não conseguimos o apoio delas”, relata a vereadora. 

 

A deputada Catarina Guerra (União), autora da lei nº 1834/2023, que estabelece o Dia Estadual da Mulher na Política, a ser celebrado todo ano em 29 de setembro, afirma que aumentar a presença feminina na política é crucial para assegurar uma representação mais justa e equitativa da sociedade. “É essencial incentivar a participação das mulheres em todos os níveis, desde o parlamento municipal até o estadual, incluindo os cargos executivos. Devemos nos empenhar para que mais mulheres ocupem esses espaços, contribuindo de maneira significativa para a sociedade”, declarou.


Catarina Guerra - Foto: Reprodução.

A deputada também destaca os desafios enfrentados pelas mulheres na esfera política, como discriminação e violência. “Diariamente, as mulheres enfrentam dificuldades e são frequentemente avaliadas pela aparência. Muitas vezes, as críticas se concentram em nossa vestimenta, antes de considerarmos nossa cultura, personalidade ou opiniões. O ambiente político é majoritariamente masculino, e é fundamental que superemos essas barreiras”, completou Catarina, que está em seu segundo mandato. 

 

* Grupo 6. Conteúdo experimental produzido no escopo da disciplina JOR53 – Jornalismo Especializado I.

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