Este ano, a imigração japonesa completa 66 anos em Roraima com várias expressões culturais do Japão no Estado
Ana Paula Pires, Mairon Compagnon e Willians Dias
90 ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO NORTE DO BRASIL
移民 em japonês significa: mover, transferir, migrar. Migrar sempre foi um direito humano. Em 18 de junho de 1908, a embarcação chamada Kasato-Maru atracou no Porto de Santos – SP trazendo consigo 781 imigrantes japoneses que estavam fugindo da miséria e o desemprego no Japão, advindo de uma reestruturação política. O Brasil tinha acabado de abolir a escravidão e precisava de mão de obra nas fazendas de café e mais futuramente na extração da borracha e o desenvolvimento de agricultura no Norte do país.
De acordo com a pesquisa de pós-graduação de Reiko Muto, “O Japão na Amazônia: Condicionantes para a fixação e mobilidade dos imigrantes japoneses (1929-2009)”, antes da imigração japonesa em São Paulo, vários representantes do governo brasileiro eram contra a vinda de japoneses para o país, pois consideravam que a imigração favorecia uma “mistura de raças inferiores”, eles chamavam de o Perigo Amarelo, por causa desse preconceito racial os japoneses tinham condições de trabalho análogas à escravidão e sua cultura era perseguida.
No período da segunda guerra, estrangeiros dos países integrantes da Aliança do Eixo (Alemanha, Japão e Itália) perderam quase todos os investimentos, alguns foram presos, maltratados e perseguidos. O Brasil passava por uma paranoia e proibiu a língua japonesa e qualquer publicação em japonês e fechou escolas de cultura e língua japonesa, assim espalhando ainda mais o preconceito racial.
A migração japonesa na região amazônica do país só foi acontecer em 1929, duas décadas mais tarde, devido a conflituosa negociação dos governos estaduais do Pará e do Amazonas, dos representantes da embaixada japonesa e da empresa promotora da imigração para a região nortista.
O Norte do país passou por três fluxos de migrações japonesas, o primeiro com os imigrantes japoneses pioneiros no Pará e no Amazonas, sendo esse período entre 1929 – 1940, chamado de velha imigração. O segundo período ocorreu pós-segunda guerra, entre 1953 – 1970, e foi chamado de nova imigração, com um novo fluxo de imigrantes japoneses no Amazonas, Pará e na época, os antigos territórios federais do Amapá, Roraima, Acre e Rondônia. O terceiro período começou em 1980 e continua até os dias atuais, que seria a ida de brasileiros ao Japão, descentes de japoneses ou não.
O Pará foi o estado do Norte com o maior número de imigrantes japoneses entre 53 e 76, com 4.354 imigrantes. Sendo o Amazonas o ficando em segundo com 1.284; Amapá (350); Rondônia (182); Roraima (124); Acre (81).
Fonte: O Japão na Amazônia: Condicionantes para a fixação e mobilidade dos imigrantes japoneses (1929-2009).
Entre 1953 e 1955, é registrado a vinda de 13 famílias japonesas para Roraima, 73 pessoas, quando o estado ainda era Território do Rio Branco. Duas famílias teriam se fixado na região do Mirandinha (Boa Vista) e as outras 11 teriam ido para a região do Taiano (Alto Alegre) e se tornaram os primeiros habitantes da Colônia Agrícola Coronel Mota. Esses dois grupos foram transferidos para Roraima da fazenda de borracha de Belterra, no Pará. Pela precariedade das estradas, falta de escolas e hospitais, muitos advindos de Belterra migraram para outros estados nortistas.
Região de Taiano, Alto Alegre, Roraima (Google Maps)
Em uma época que o estado passava por surtos de malária, muitos ficaram doentes ou foram embora do estado, das 11 famílias que se fixaram em Taiano, apenas quatro permaneceram em Alto Alegre. Porém no ano de 1961, mais um grupo de nove famílias chegaram em Roraima, e estas se dedicaram a produção de hortifruti e avicultura. Assim, em 64, o estado já continha 79 japoneses e descendentes.
Fonte: O Japão na Amazônia: Condicionantes para a fixação e mobilidade dos imigrantes japoneses (1929-2009).
O jornalista João Cândido publicou em 2017, na coluna da Folha de Boa Vista, Minha Rua Fala, uma matéria chamada “Banzai - os japoneses em Roraima”. Nela, Cândido mapeia quem eram essas famílias que vieram para o Estado e seus impérios construídos nas áreas agrícolas, de construção e comércio. A imigração japonesa completa 90 anos no Norte do Brasil e 66 anos no estado de Roraima.
ASSOCIAÇÃO NIPO-BRASILEIRA DE RORAIMA
A ANIR - Associação Nipo-brasileira de Roraima, foi criada em 2008 e desde então, houve um aumento do interesse dos roraimenses na Cultura Japonesa. Comprovado pelo aumento de alunos que frequentam o curso de idioma japonês, do número de pessoas que participam dos eventos de cultura japonesa e o aumento de restaurantes japoneses. De acordo com a presidente da Associação, Elizabeth Mitie Fukuda, em 2008, eram dois restaurantes de comida japonesa em Roraima, atualmente são 13.
Segundo a Mitie, a cultura japonesa atrai pessoas de todas as idades. Crianças e jovens gostam muito de desenho de mangá, culinária japonesa, dança, animes, origami, japonês e artes marciais. O gosto pela culinária japonesa ocorre no mundo todo, por pessoas de todas as idades.
“Esse crescente interesse pela cultura japonesa, culminou no crescimento da nossa Associação. Criada em 2008, hoje temos nossa sede no bairro Caçari, em um terreno com área de 3.000 m2, doado pela prefeitura de Boa Vista. Na construção da sede tivemos a colaboração financeira do Consulado Geral do Japão em Manaus. Mas, a grande parte dos investimentos que realizamos foi através de doações da comunidade e de eventos com venda de comida japonesa. O mais importante foi a integração e organização da comunidade Nipo-brasileira de Roraima, com 130 famílias associadas” explica presidente da ANIR, Elizabeth Mitie.
Há também um grande interesse dos associados e alunos em conhecer o Japão pela sua história, tradição, os pontos turísticos, tecnologia e seus encantos. Além disso, existe o interesse em fazer cursos no Japão, por ser um país que reúne tecnologia avançada, segurança e cultura milenar.
COSPLAY: UMA PAIXÃO
Dentre as expressões mais populares da cultura oriental, há o cosplay. Esta atividade é popularmente conhecida como a arte de se transformar em um personagem. De acordo com a estudante, Giovanna Leetícia Benigno, 14 anos, o ponto desfavorável para fazer o cosplay é o valor das roupas utilizadas na produção. “Os pontos positivos são vários, você pode ser quem você quiser, pode ser a pessoa eu sempre desejou ser e também realizar o sonho de alguma pessoa que gosta do personagem que você está fazendo. Em contrapartida o ponto negativo é o gasto na produção, mas vale muito a pena”, disse.
Giovanna Leetícia Benigno, 14 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)
O cosplay iniciou com a criação própria de personagens de ficção, e atualmente atende a vários ramos. É uma atividade em que participam crianças e adultos de várias idades, sexos e condições sociais. “Quando eu era pequena minha avó me mostrava coisas do Japão, pois ela é apaixonada pelo Japão. Então, eu comecei a assistir Naruto e me apaixonei e nunca parei. Acredito que não importa a idade, vi já muitos adultos e até idosos que gostam da cultura japonesa como minha avó e professores”, afirmou a estudante.
Segundo o estudante, Rafael Franco, 14 anos, a popularização da cultura japonesa em Roraima é importante para interação entre os jovens. “É algo bom, a interação entre nerds se tornou algo popular entre jovens e se torna algo bem legal”, destacou.
Rafael Franco, 14 anos. (Foto: Mairon Compagnon)
UMA PAIXÃO SEM IDADE
A cultura japonesa atinge pessoas de várias idades. Atualmente, há segmentos da cultura japonesa em várias mídias entre elas comics, filmes, livros e personagens de internet. De acordo com a cosplayer, Gabriely Damasceno, 32 anos, quando iniciou com cosplay, as informações sobre a atividade não chegavam de forma rápida como é atualmente com maior acesso à internet. “Na época a internet era discada, a informação não era muito rápida. Então, eu comprava mangás, gostava de jogos, de animes e eu comprava as revistas nas bancas, voltada para esse público, e eu sempre via fotos de cosplays de outros lugares do país. eu achava o máximo, eu gostava muito’’, disse.
Segundo a cosplayer, com a popularização da cultura japonesa no Estado o compartilhamento do trabalho realizado é instantâneo. “Antes a gente produzia pra ensaios fotográficos para a internet, onde a gente encontrava pessoas de outras regiões que praticava o mesmo hobby e tínhamos essa troca com pessoas de outros estados. Agora, com o público crescendo aqui a gente tem compartilhado de forma mais imediatista”, destacou.
Gabriely Damasceno, 32 anos. (Foto: Mairon Compagnon)
No final da década de 1990, com a popularização do anime Cavaleiros do Zodíaco, iniciaram os primeiros encontros de animes e mangás no país. Segundo a professora, Suely Moreira Sanches, 45 anos, o surgimento do anime foi o ponto de partida para o aparecimento de novas produções do gênero. “Antes mesmo da estreia de Cavaleiros do zodíaco (1994) eu já assistia animes (Macross e Saber Riders), sem saber que eles eram animes, eu achava o estilo bacana e acompanhava as séries. Quando cavaleiros estrelou, foi um verdadeiro paraíso, pois eles abriram as portas para outras produções”, destacou.
Para os japoneses, animes são desenhos que fazem sucesso e parte da cultura jovem do país. O mangá é a palavra usada para designar histórias em quadrinhos. Os animes e mangás ganharam adeptos de diferentes idades.
De acordo com a professora, Suely Moreira Sanches, existe preconceito com pessoas mais velhas que gostam de animes e mangás. “O preconceito existe. É como se fosse proibido alguém mais velho curtir animes e mangás. Algumas pessoa olham pra gente de um jeito atravessado. Dizem que a pessoa não cresceu”, afirmou.
Para a professora não existe idade para apreciar animes ou mangás. “Não tem idade para curtir. O que acontece é que os jovens não têm vergonha de mostrar que gostam. Os mais velhos ainda ficam preocupados com possíveis opiniões negativas. Mas aos poucos podemos observar a adesão de pessoas de mais idade”, enfatizou.
ANIRAIMA
O Aniraima é o maior evento de cultura japonesa, nerd e geek de Roraima, onde os apreciadores podem participar de atrações como Animekê, sala de exposições de Action Figure, Workshops, Apresentação de K-Pop e concurso de Cosplay e CosKids. Em 2019, o evento esteve em sua segunda edição.
De acordo com o coordenador do evento, Augusto Oliveira, houve crescimento não apenas de eventos com a temática, como também de público participante. “Houve um crescimento não só da quantidade de eventos, mas um crescimento na quantidade de público também. Nós víamos as mesmas pessoas nesses eventos, mas notamos que estão vindo pessoas mais novas, o público acaba se renovando”, contou.
Conforme o organizador, Augusto Oliveira, o Aniraima é a realização de um sonho. “Estamos vendo que há um reconhecimento por parte dessa galera que gosta. Pra gente é a realização de um sonho. Quando eu era criança, eu gostava e quem gostava era visto como uma pessoa estranha, diferente. Hoje, as pessoas não têm mais vergonha nenhuma de dizer que gosta”, disse.
Foto: Mairon Compagnon
COMÉRCIO
As influências da cultura japonesa chegaram ao comércio roraimense. Os micro e pequenos empresários viram no segmento uma forma de preencher lacunas existentes no ramo. Segundo a empresária, Caroline dos Santos, os eventos da cultura nipo-brasileira são oportunidades para empresários alcançarem maior público. “Com o crescimento dos animes, do K-Pop, e esse tipo de evento, para entretenimento das pessoas, a gente consegue abranger o público que a gente deseja atingir”, ressaltou.
Para a empresária, os eventos com a temática são oportunidades para conhecer o público consumidor. “É um evento super gratificante, porque a gente ver todos os tipos de pessoas, a gente espera sempre esse tipo de evento para vender, conhecer o nosso público e saber o que eles querem”, disse.
Com a popularização da cultura nipo-brasileira, o comércio voltado ao público geek e nerd tem ganhado novas empresas. Conforme o empresário, Renan Cartier, proprietário de uma loja de artigos geek, a decisão de abrir uma loja surgiu da necessidade de suprir demandas do público boavistense. “Desde jovem, eu gosto dessas coisas, era um sonho de adolescente e eu tinha vontade de trabalhar em uma loja assim. Quando eu estava na faculdade fui trazendo miniaturas e vendendo. Observei que tinha um público carente em boa vista e abrimos a loja no mês passado”, contou.
Em 2013, com uma loja virtual, o empresário iniciou as vendas de miniaturas de personagens de animes, mas avalia que o crescimento do público interessado pelos produtos estagnou. “Se formos analisar desde de 2013, temos um crescimento sim, mas de dois anos pra cá não temos um crescimento não tão exponencial”, explicou o empresário.
Foto: Mairon Compagnon
RELIGIÃO JAPONESA EM RORAIMA
Não é apenas o mundo dos animes e mangás que tem ganhado um espaço no dia a dia do povo roraimense. Localizada próxima ao centro da cidade, a Igreja Messiânica Mundial do Brasil traz parte da cultura japonesa para os adeptos a religião no estado.
A sede roraimense da Igreja Messiânica Mundial do Brasil foi fundada em 1979, pelo capitão Glauco Falcão de Araújo e nos últimos 40 anos, mais de 1.480 pessoas se cadastraram na igreja, número esse que não se compara aos adeptos da religião que tem crescido a cada dia.
Mesclando ensinamentos de religiões asiáticas, como o budismo e o xintoísmo, e até mesmo do cristianismo, a doutrina busca a construção do paraíso terrestre através dos três pilares da igreja: o Johrei (oração para transmissão de luz ao espírito), a alimentação natural (responsável por manter o corpo limpo) e a purificação dos sentimentos, alimentando assim, o corpo espiritual e o material.
Igreja Messiânica Mundial do Brasil. (Foto: Mairon Compagnon).
Segundo o Ministro da igreja, Giovani Alves, ao seguirmos as três bases para a purificação do corpo carnal e espiritual, conseguiremos ter uma vida mais saudável e mais equilibrada, e, posteriormente, atingiremos, assim, objetivo da doutrina. “A Igreja Messiânica Mundial tem como base a purificação do espírito e do corpo humano. E parte dessa essência encontra-se ao pensar no bem estar do próximo, unindo assim os preceitos do cristianismo e das religiões japoneses. Para que no fim possamos atingir o objetivo final da doutrina que é o paraíso na terra”, disse.
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