Por: Adriele Lima, Júlio Sansão, Lauany Gonçalves, Luísa Stela e Caio Guimarães
“Hidrelétrica do Bem-querer”, esse é o nome dado a um dos maiores projetos energéticos do estado de Roraima. Com o surgimento da ideia em 1970, a construção da usina hidrelétrica teve a autorização dos estudos em 2011 e somente em 2018 teve as pesquisas socioambientais iniciadas.
Com a capacidade de gerar 650 megawatts (MW), a hidrelétrica traz a possibilidade de livrar Roraima de um gasto de aproximadamente R$107 milhões por mês resultantes das quatro termelétricas (Monte Cristo, Distrito Industrial, Floresta e Novo Paraíso) que são as responsáveis pelo abastecimento do estado. Isso desde que a Venezuela parou de enviar energia.
O país vizinho sustentou o estado desde 2001 através do Linhão de Guri, uma linha que possui 706 quilômetros de extensão e ligava Boa Vista ao complexo hidrelétrico de Guri, em Puerto Ordaz. O “rompimento” desse cabo de energia aconteceu em 2019, após uma série de apagões ocorridos na Venezuela, supostamente cometidos por sabotagem criminosa no linhão, segundo as autoridades do próprio país.
Até hoje, ainda há uma incerteza se o estado voltará a ser dependente do país vizinho ou não. O contrato das atuais termelétricas que abastecem o estado foi firmado entre a Eletronorte e a estatal venezuelana Corpoelec com vigência até junho deste ano. Logo, a Hidrelétrica do Bem-Querer abre um leque para uma estabilidade energética e redução no custo da energia no estado.
Localizada no município de Caracaraí, a usina pode demandar um orçamento de cerca de R$6 bilhões e ser oferecida a investidores em um leilão em 2021, de acordo com a estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).
O coordenador do Fórum de Energias Renováveis de Roraima, Alexandre Henklain alerta problemas futuros de efeito imediato que a obra pode trazer para Roraima, principalmente quando se analisa a relação custo benefício da usina. Segundo ele, os estudos ainda não dão base concreta das garantias de viabilidade da obra.
“Não posso garantir que a usina do Bem-Querer seja uma boa saída energética para Roraima”, disse.
Para o engenheiro, o projeto UHE Bem-Querer é muito grande, seja para o bem, seja para o mal, o que pode influenciar o destino do estado de Roraima. Ele ainda afirma que independente dessas duas possibilidades, o projeto continuará, mesmo com a retirada da obra do Plano de Desenvolvimento Energético 2030, do Governo Federal.
Alexandre relata que os governos não estão preocupados com a demanda energética do estado, e sim em dar suporte ao Sistema Elétrico Nacional, por conta do regime hidrológico diferenciado de Roraima. Uma vez que quando é inverno no estado, nos demais é verão e os reservatórios do Centro-sul do país estarão com baixo volume de água.
“Eles (do Governo Federal) não estão preocupados em resolver o problema da matriz energética de Roraima, mas sim daquelas com reservatório com nível baixo na estiagem, por isso a pressa em concluir a obra do Linhão de Tucuruí entre Manaus e Boa Vista”, afirma o engenheiro.
“Bem-Querer” para quem?
O projeto atrai resistência de ambientalistas e indigenistas, devido à inundação de seu lago ser equivalente a uma área de 519 km², correspondente a mais de 70 mil campos de futebol. O lago a ser formado no rio Branco seria pouco maior do que a usina de Belo Monte, no Pará — uma das maiores do mundo, projetada para ter capacidade instalada de cerca de 11,2 mil MW, contra apenas 650 MW do Bem-Querer.
Levando-se em conta as respostas evasivas dos técnicos da EPE sobre os dados a respeito dos impactos ambientais da obra, Alexandre Henklain arrisca dizer que o lago do reservatório será muito grande, podendo até mesmo impactar no lençol freático de Boa Vista e no inverno local.
A área do lago pode chegar até a região de São Marcos na confluência dos rios Uraricoera e Tacutu, formadores do rio Branco, realimentando o lençol freático, podendo afetar a drenagem, o esgoto e o afloramento d’água na capital do estado. O lago vai ocupar a calha máxima do rio, mas seus contornos são imprecisos e difíceis de delimitar.
Outro obstáculo para a obra é a baixa declividade dos rios da Amazônia, sendo que no caso do rio Branco é de 85 metros em toda a sua extensão até desembocar no rio Negro e finalmente no mar, milhares de quilômetros depois. Além disso, é possível verificar impactos significativos em áreas produtivas nas condições de navegabilidade do rio.
A construção da usina pode causar dano irreversível na região do baixo rio Branco. A obra deve impactar todo o sistema, podendo faltar água na região ao sul e oferecer excesso de água na parte de cima. Esses impactos ambientais devem e já estão sendo analisados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) através de levantamentos de campo.
Impactos hidrelétricos
A construção de uma usina hidrelétrica pode gerar diversos impactos ambientais para o local. A área que funciona como reservatório da hidrelétrica tem a sua natureza transformada, o clima muda, diferentes espécies de peixes desaparecem, animais fogem para refúgios secos e árvores são destruídas debaixo da inundação.
Confira alguns outros impactos no infográfico abaixo:
Além dos impactos ambientais, a instalação e construção de uma usina hidrelétrica também afeta a população organizada na região do projeto ou até mesmo além dos limites deste local.
De acordo com Wanderley de Sousa em sua análise comparativa dos impactos ambientais de hidrelétricas, o aumento na oferta de energia representa uma consequência global de qualquer empreendimento de hidreletricidade. No entanto, todas as consequências desencadeadas a partir desta forma de energia, como por exemplo a diminuição na qualidade de água do local, a desagregação social de comunidades da região e o aumento da proliferação de doenças correspondem a consequências instantâneas para os habitantes do território.
Estes efeitos devem ser considerados e analisados durante o desenvolvimento e a execução de projetos hidrelétricos, embora sejam mais subjetivos ou até mesmo passem despercebidos.
Alternativas Energéticas
A energia do vento é uma das alternativas para o problema energético em Roraima. Ela consiste na transformação da massa do vento em energia útil, renovável e limpa. De acordo com Ciro Campos, biólogo, especialista em energia eólica e analista do Instituto Socioambiental (ISA), esse tipo de energia é viável para o estado.
“O ambiente é propício. Ou seja, a velocidade média mensal dos ventos, de cinco a nove metros por segundo, é uma média de vento considerada aceitável pelo mercado de energia eólica”, disse Campos.
Essa média foi realizada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) junto ao ISA, em 2013, no município de Uiramutã. Como parte do Projeto Cruviana, o estudo avaliou o potencial para geração de energia eólica na região nordeste do estado. Mas que, segundo Campos, seria necessário um hotspot no município do Uiramutã com potência também nos municípios de Pacaraima, Amajari, Normandia e Bonfim.
Quanto aos impactos ambientais, os mais comuns são na rota dos morcegos e aves e a poluição sonora para a população. Porém Campos afirma que os aparelhos mais modernos reduziram a velocidade das pás, o impacto sobre as aves e o nível de ruído. Ou seja, a maior consequência estaria relacionada à técnica utilizada para a construção do parque eólico: altura, distância, mudança da população e materiais.
Conforme o biólogo, a energia eólica tem alto custo, como projetos de R$5 milhões, e não é indicada para pequenos e médios investidores, levando em consideração que esse tipo energético deve operar com outros sistemas de geração, como biomassa, diesel ou baterias, porque em alguns momentos o vento para ou muda o curso.
Assim, Campos afirma que seria economicamente viável se houvesse o investimento na aliança da indústria do vento e indústria do armazenamento.
“É importante que, para a gente viabilizar a energia eólica no estado, a gente também fortaleça a nossa relação com o mercado de armazenamento, com a indústria de bateria. Que é a indústria mais acelerada do mundo. E Roraima tem todas as características para ser um laboratório para essas empresas porque o custo de energia é maior”, disse o especialista.
No Brasil, investimentos bilionários foram realizados para o desenvolvimento desse sistema energético. Em fevereiro deste ano, conforme dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), a energia eólica atingiu a marca de 18 gigawatt (GW) de capacidade instalada, em 695 parques eólicos e mais de 8.300 aerogeradores. A energia está em segundo lugar na matriz elétrica do país, com 10,3%, atrás das hidrelétricas que produzem quase 60% da energia.
Outra alternativa seria a introdução da energia solar, que consiste em usar a luz do sol como fonte de energia elétrica. Mas você sabe como ela funciona? Entenda melhor no vídeo a seguir:
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