Horror, opressão, descaso. São designações relacionadas ao sofrimento impostos por grileiros de terras a 49 famílias que residem na vicinal dos Pampas, localizada nas fundiárias do PAD Anauá, no município de Caracaraí (RR).
Idosos, crianças, mulheres e homens que produziam alimentos de uma hora para outra viram suas terras transformarem-se em um “inferno de Dante”. Parecem viver o quarto círculo, representado pela ganância por terras, oriundas de grandes fazendeiros que chegam de várias partes do Brasil.
Além das ‘Colinas de Rocha” que representa a ganância, na obra de Dante. Temos outro círculo mais avassalador as vidas destes pequenos agricultores, o Vale dos Flegrontes que representa a violência, exercida com aparato do Estado roraimense ao promover a queima de casas, a perfuração de telhados, a destruição de residências com o uso de motosserras e de roças.
O Malebolge, círculo que representa a fraude, também é existente, pois a justiça roraimense parece ter sido induzida a um grave erro, ao determinar a reintegração de posse numa área de expansão de um assentamento administrado pelo governo federal, por intermédio do INCRA/RR.
A grilagem de terras públicas, em Roraima, que se encontram devolutas transformou-se em um dos principais problemas agrários no Estado. A lógica existente na política agrária roraimense é transferir por meio da concessão de direito de uso real, previsto na legislação estadual de terras, a maior parcela possível de hectares para grandes criadores de gado e plantadores de soja.
Essa lógica, se expressa pela ausência de qualquer menção a execução de um modelo de reforma agrária na Lei de terras do Estado. Contrariando, neste caso específico, a letra ‘b’ do artigo 1º do Decreto 6.754/2009 que transferiu a gestão de terras da União para a gestão estadual roraimense.
A lógica de estruturação da grilagem fica evidente quando visualizamos as áreas tomadas a força dos pequenos posseiros. No lugar de arroz, mandioca, fruteiras, pimenteiras, melancia, abóboras, maxixe, banana, feijão, entre outros alimentos vemos o desmatamento de vastos hectares de floresta e a disseminação de capim para gado. A produção dos posseiros, por ordem do Estado roraimense na decisão judicial da comarca de Caracaraí foi impedida de ser colhida.
O capim conjugado a abertura de vastas áreas destina-se a criação de gado. As terras deveriam por força das necessidades objetivas existentes serem destinadas a produção de alimentos e segurança alimentar de nosso povo, conforme prevê sua escrituração como reserva técnica do PAD Anauá.
A área em litígio
Conforme documentos disponibilizados por uma fonte, a área é registrada no sistema de gestão territorial como uma gleba pertencente ao governo federal, consolidada como uma reserva técnica para expansão do projeto de assentamento PAD Anauá, criado em meados da década de 1970, com uma área de 221,8 mil hectares e destinado ao assentamento de 3,4 mil famílias.
A portaria/INCRA/GAB/SR-25 Nº20, datada de 23/11/2007, realizou uma reorganização da área desmembrando o total da área em vários projetos de assentamento. O PAD Anauá ficou com uma área de 50.609,87 hectares. Uma parcela de terra de 289 Km distribuísse entre os municípios de Caracaraí e Rorainópolis. A região do conflito agrário está localizada em Caracaraí, as margens dos lotes que se encontram nos marcos das fundiárias das parcelas que se encontram nos primeiros quilômetros das BR’s 210 e 174, após a rotatória localizada no distrito de Nova Colina.
A ocupação da área
Homens e mulheres, de idade avançada que se veem fora do mercado de trabalho viram, em 2022, a possibilidade de serem assentados pela reforma agrária nas áreas de expansão do PAD Anauá. As 49 famílias que buscavam paz e prosperidade viram a partir de julho de 2022 suas vidas serem transformadas completamente numa onda de terror. As terras públicas federais foram rapidamente, após a entrada dos posseiros, por meio da atuação de grileiros existentes, impelidas a serem registradas como mais uma região de conflito agrário, ampliando a desigualdade que assola as relações interpessoais em Roraima.
Segundo Marta Sales cerca de 6 famílias se encontram na região há cerca de 3 anos, as demais famílias chegaram depois, os mais novos estão morando na região no máximo há um ano. “Temos mulheres, adolescentes, idosos que moram na vicinal dos Pampas. A dificuldade do acesso impede que muitas famílias vivam nos lotes de 10 hectares demarcados, por nós mesmos. Muitas pessoas têm que andar 8 a 10km para chegar em sua parcela de terra”, afirmou Sales.
“Nunca conseguimos tirar a produção. Todos os anos plantávamos e os grileiros vinham e passavam as máquinas por cima de tudo e colocavam fogo, essa foi a quarta vez que eles destruíram tudo. Esse ano imaginávamos conseguir retirar alguma produção para comercializar, mas veio a juíza dando direito aos grileiros e perdemos tudo”, afirmou Sales.
A esperança da posseira, após a vistoria realizada pelo INCRA/RR, em agosto de 2024, apontando que as terras são federais é que o processo seja transferido para justiça federal e a área seja direcionada ao assentamento das famílias para poder produzir alimentos e garantir a segurança alimentar das pessoas que vivem nas cidades.
Segundo Sales, presidente da Associação dos Agricultores Familiares Felicidade dos Pampas (AFFP) as dificuldades para produzir são muitas, pois não temos ajuda, nem financiamento de nenhum lugar. “Minha produção de mandioca, mamão, laranja, banana, jaca, entre outras coisas foi feita com meu dinheirinho, com a força desses braços. Minha terra era muito bonita. Eu e minha velha com nossa força de vontade que construirmos tudo, fizemos tudo. Sai de Rorainópolis em busca de paz e uma melhor condição de vida, pois as coisas na cidade são caras, nosso salário mal dá para comprar a medicação que tomo, mas encontrei um inferno com o aparecimento desses grileiros”, afirmou o posseiro Domingos Alves.
Para Sandro Ribeiro seu sonho era ter sua terrinha e um paiol cheio de arroz e feijão para garantir a alimentação da família, segundo Ribeiro, nessa última vez perdeu cerca de 80 sacas de arroz, algo em torno de R$9.502,40, conforme a cotação da saca de 50kg em 18/09/2024. “Nesse verão com a quantidade de arroz que todos nós temos plantado, iríamos ganhar um dinheirinho bom, pois o arroz está difícil e caro. Nos sobrou é ver nossas roças sendo empestadas de capim em virtude de eles estarem espalhando sementes por todos os cantos. Sempre trabalhei colocando roça como meeiro no terreno dos outros, pela primeira vez tinha uma terra que era minha, onde podia produzir para meu sustento, sem ter que está trabalhando ou dividindo a produção com ninguém”, afirmou Ribeiro.
Para Francisco Carvalho foi muito difícil ocupar as terras pois tiveram que abrir as picadas com as próprias mãos, “o acesso hoje é ruim, mas antes era pior. Quando entramos era época de inverno. Ao chegarmos não existia ninguém lá dentro. No início erámos 21 pessoas. Daí em diante começamos a fazer nossas roças e construir nossas casas. Menos de um ano depois começamos a ter problemas com os grileiros que afirmam ser donos das terras, usando documentos falsos. Como não entendemos muito dos papéis acreditamos, depois vem a comprovação de que os documentos são frios”, afirmou o posseiro.
Segundo Carvalho, sua produção não pode ser retirada, encontra-se em ponto de colheita, especialmente o arroz, mas a liminar, expedida pela comarca de Caracaraí, proíbe os posseiros de retirar a produção de dentro das terras federais em processo de grilagem. Essa situação caracterize como um abuso de poder da justiça roraimense, pois além de determinar reintegração de posse em uma área federal, proibiu as famílias de poderem colher a produção existente.
A destruição
A violência sempre foi uma marca no processo agrário brasileiro, sendo a grilagem de terras a principal ferramenta adotada pelos grandes proprietários que financiam grupos criminosos para regularizar terras públicas, neste caso, áreas destinadas a expansão de um assentamento. O vídeo abaixo mostra um dos encontros entre posseiros e uma das pessoas acusadas de grilagem.
Na vicinal dos Pampas, o modus operandi não foi diferente, casas foram literalmente queimadas, outras tiveram as paredes cortadas com motosserra, enquanto algumas foram derrubadas. Não sendo suficiente essa violência, boa parte das telhas, de amianto, adquiridas pelos posseiros foram perfuradas, impedindo desta forma que as mesmas pudessem ser reaproveitadas.
No dia 10/06/2024, a polícia militar, acompanhada por 2 oficiais de justiça, cumpriram o mandato de reintegração de posse na área federal. No processo de desocupação, a justiça roraimense contou com apoio direito dos “capangas” do grileiro Ediney, segundo afirmaram os posseiros, os quais por duas outras vezes já haviam agido por conta própria e destruído as casas dos posseiros que se encontram nas terras na vicinal dos Pampas. As pessoas atingidas pela arbitrariedade judicial demonstram um completo descompromisso dos agentes do estado no gerenciamento dessa crise, especialmente pelo mandado de reintegração de posse referisse a outra área, segundo os relatos dos posseiros.
As terras são identificadas como áreas de expansão do PAD Anauá, ou seja, áreas federais destinadas a assentamento de pessoas inscritas no CAD Único. No entanto, a destruição das casas das pessoas é uma realidade nos últimos dois anos. “Só na minha área eles queimaram 3 barracões. Dessa última vez, derrubaram uma casa que eu gastei R$49 mil para levantar. Uma casa linda que levantei carregando o material nas costas, junto com minha velha. Eles chegaram e largaram o motosserra para cima. O que mais doeu, além de ver minha casa ser destruída e minhas coisas sendo queimadas foi ser acusado pelos policiais de plantar maconha”, afirmou o posseiro Domingos Alves.
“Eu sou portador de mal de Parkinson, sofri uma grande humilhação, eram seis policiais junto com 2 oficiais de justiça, derrubando e mexendo em tudo, jogando nossas coisinhas no chão. Ninguém nasceu para viver isso. O pior é saber que toda documentação, toda ação era ilegal. Aqui tem gente que sumiu muita coisa. Tudo que eu tinha foi destruído”, disse Domingos Alves.
A ação de reintegração de posse determinada pela comarca de Caracaraí, foi efetivada com ajuda das pessoas que trabalham para os grileiros. “Foram eles que derrubaram mais uma vez nossas casas, só que desta vez estavam protegidos pela polícia militar de Roraima. Eu não consigo entender como pessoas do Estado que vem cumprir uma decisão judicial, errada, mas uma decisão judicial, participam antes de uma festa regada a cerveja e churrasco na área do grileiro, antes de oprimir as pessoas”, disse Sales.
Seu Domingos Alves, afirma que na penúltima vez que os capangas dos grileiros foram ao seu lote passaram com as máquinas em cima de toda sua produção agrícola, destruíram tudo. “Eu estava para cidade quando cheguei na terra vi tudo destruído. Mas, eu fiquei e resisti porque acredito no Estado brasileiro. Essas terras não pertencem a esses grileiros, são nossas que estamos lá produzindo alimento para melhorar a vida das pessoas. Dessa derradeira vez eles queimaram tudo. Eu tinha um barracão grande que teve um culto com mais de 50 pessoas, tudo destruído pelos grileiros”, afirmou o posseiro.
Segundo os posseiros, que produzem alimentos na vicinal dos Pampas, as duas primeiras ondas de destruição em massa ocorreram apenas com os capangas dos grileiros que chegavam em carros – todos com revólveres, escopetas, rifles – e destruíam as casas e as roças. Nessa última vez, fizeram o mesmo de antes, só que com o apoio das forças policiais e judiciais de Roraima, essa relação de “compadrio” entre o Estado brasileiro e grandes produtores é histórica no país, se não pelo apoio explícito, essa relação se estabelece por meio da inércia.
As duas primeiras ondas vezes que tiveram as casas e roças destruídas, os posseiros registraram boletins de ocorrências na polícia civil de Rorainópolis e Caracaraí, no entanto, as investigações não caminharam. “Deve ser porque o Ediney que persegue nós é testa de ferro de outras pessoas, pois só aquele homem não iria fazer a gente passar o sofrimento que nós passamos”, falou Domingos Alves.
Segundo Sandro Ribeiro uma vez os capangas dos grileiros entraram em seu lote e queriam abrir uma picada bem no meio das terras por ele ocupada. “Eles ameaçam todo mundo. Sempre andam armados. No inverno, do ano passado, entraram de quadriciclos destruíram nossas pontes que tínhamos construído, queimaram nossas casas e acabaram com nossas roças. É triste trabalhar com tanta dificuldade”, afirmou Ribeiro.
Já, Francisco Carvalho afirmou que sua casa foi cortada com motosserra após o processo de reintegração de posse, cumprida pela PM, oficiais de justiça e os capangas do grileiro. “No outro dia, após a vinda da PM e dos oficiais, o Edinei, junto com seus capangas vandalizou minhas coisas e minha casa, quebraram tudo, furtaram algumas coisas. Minhas 15 telhas foram todas quebradas”, afirmou Carvalho que já tinha tido uma primeira casa queimada pelos grileiros.
Para Marta Sales o processo de reintegração de posse foi cumprido com abuso de autoridade “Já denunciei todos os PM. O meu esposo e outro rapaz foram detidos e obrigados a acompanhar em pé a destruição de nossas casas. Nossas coisas foram levadas de quadriciclo para as margens da BR 174. Cheguei a perguntar a delegada de Caracaraí onde tinha na liminar que a juíza mandou a autorização para colocar fogo nas casas e nas coisas das pessoas?”, disse Sales.
Segundo os posseiros são 2 anos de muito terror, as noites eram repletas de tiros dados pelos capangas do grileiro Edinei. “Como a picada é ruim para circular veículos e depois da destruição das pontes realizadas em 2023, pelos homens do grileiro, quando estávamos nos deslocando para nossos lotes dávamos de cara com pessoas armadas fazendo espera para nos amedrontar. Determinada vez colocaram fogo na casa de um de um de nós e havia uma menina de 3 anos dormindo, a bicinha quase morre, pois, os pais estavam plantando macaxeira, quando viram a fumaça correram e salvaram sua filha. Tudo isso foi denunciado e nada de investigação nenhuma avançar”, falou Sales.
O posseiro Antônio de Lima chega a emocionasse ao relatar o sofrimento que viveu no dia 10 de junho de 2024, segundo ele a humilhação imposta pelos agentes do Estado não possui comparação alguma, nos 56 anos de sua vida.
“Quando eles vieram para destruir tudo, eu trabalhava ajudando a levantar a casa de um dos nossos, como o motosserra quebrou, suspendi o trabalho e ia para casa. Quando chegamos em frente ao barracão do grileiro fomos parados pela polícia. Foi dado uma liminar para desocupar, se não desocupar será tudo destruído do mesmo jeito”, relatou Lima.
O posseiro Lima foi detido pela polícia e obrigado a acompanhar toda a destruição. Segundo seu relato caminhava a frente dos policiais que estavam todos armados com fuzis. “Só liberaram as chaves das motos depois que cortaram as casas de madeira com o motosserra dos capangas do Edinei e queimaram as coisas. Fui obrigado ficar o tempo todo de pé vendo a destruição das casas de nossos companheiros e companheiras. Foram 2 dias de destruição. Onde não dava para queimar eles derrubavam árvores por cima das coisas. Falaram que eu era obrigado a ver à destruição. No meu barraco retirei as coisas antes de assistir toda sua destruição, nas casas que não tinha ninguém as coisas foram todas queimadas”, disse Lima.
A decisão da comarca de Caracaraí
Segundo Marta Sales, os autores da ação Marcos Lima dos Santos, Antônio José dos Santos e Fábio Júnior Rodrigues Farias, todos representados no processo por Ednei Bagnara, usaram documentos de lotes do PAD Anauá localizados na BR 174 para induzir a juíza Noêmia Cardoso Leite de Sousa ao erro, “A liminar de reintegração de posse foi concedida para essas áreas, como se nós tivéssemos entrado nas terras dele”, afirmou Sales. No entanto, quando do cumprimento da notificação em 21/03/2024 e da reintegração de posse, em 10/06/2024, os oficiais de justiça e a polícia militar executaram a reintegração na vicinal dos Pampas, uma área federal conforme registros existentes no INCRA.
Na execução da medida judicial, no mês de junho, os posseiros relatam que a polícia militar e os oficiais de justiça acamparam no barracão do grileiro Edinei e contaram com ajuda de seus capangas. Essa situação demonstra uma relação de promiscuidade de forças estatais com pessoas acusadas de grilagem de terras, algo histórico, mas que veem aumentando em Roraima. Mesmo a sentença determinando apenas a reintegração de posse e a proibição de que os posseiros pudessem colher sua produção, estes tiveram suas casas destruídas e queimadas, demonstrando uma ação baseada no abuso de autoridade.
Os posseiros informaram que em nenhum momento a juíza da comarca de Caracaraí realizou alguma audiência para que eles fossem escutados, conforme prevê o código de processo civil (CPC) em seu artigo 562. Tivesse ela cumprido o papel basilar do poder judiciário de escutar as partes envolvidas não teria cometido o erro de assinar uma reintegração de posse que foi executada dentro de uma área federal, cuja competência é da comarca da justiça federal de Roraima, não de competência da justiça estadual, conforme estabelece o artigo 565 do CPC, para áreas onde exista litígios coletivos quando a turbação for superior há 1 ano.
Marta Sales, afirma que a liminar foi pedida em 6 de março de 2024, no dia 21 do mesmo mês, foi apresentada a liminar aos posseiros, por intermédio do oficial de justiça Wendel de Caracaraí. “Você tem 15 dias para tirar seu povo daqui de dentro. Falei para ele que ele precisava trabalhar pela Lei, ele disse que eu estava falando demais. A juíza não aceita que conversemos com ela”, afirmou Sales.
O interesse dos posseiros é derrubar a liminar e que o processo seja direcionado para a esfera de sua competência. “Eles não podiam fazer essa ação na área federal. Eles usaram de má fé, passaram 3 dias dentro da vicinal, no barracão do grileiro, bebendo e comendo. Ficaram entre os dias 21 e 23 de março de 2024 ameaçando as pessoas em suas casas, não foram apenas entregar a notificação da liminar, foram criar pânico nas pessoas”, disse Sales.
Segundo os posseiros, como o oficial de Caracaraí não conhecia a senhora Marta Sales queria que outra mulher assinasse a notificação em meu nome, afirmando ser ela a líder dos posseiros. “Quando pela tarde me encontraram acharam que iriam me amedrontar, quando chegaram lá, acompanhado por policiais, entraram no meu barraco sem autorização judicial, mexeram em minhas coisas. Eles também fizeram isso no lote 23, lá, no entanto chegaram mandando a pessoa juntar suas coisas que a máquina estava chegando para derrubar a casa”, afirmou Sales.
Após a notificação realizada pelo oficial de justiça em março de 2024, os posseiros entraram com um agravo de instrumento julgado monocraticamente pelo desembargador Cristovão Suster pelo não provimento. Todos os posseiros habilitaram-se no processo, por meio da Defensoria Pública do Estado (DPE). Em ambos os momentos no decorrer do processo judicial foi alegado que a área era devoluta e pertencente ao governo federal, em nenhum momento os magistrados impuseram o cumprimento do parágrafo único do artigo 562 do CPC que impõe a proibição de mandado de reintegração de posse contra pessoas jurídicas de direito público, sem a realização de audiência.
A destruição ambiental
A lógica adotada pelo grileiro na ocupação das terras reproduz uma prática muito utilizada na Amazônia brasileira que consiste nas áreas de mata terem as árvores derrubadas para dá lugar ao capim, posteriormente são inseridas as cabeças de gado e as terras regularizadas em nome de grandes fazendeiros. Antônio Lima, relata que em dezembro de 2023, o grileiro Edinei, tinha vários tratores e homens com motosserra trabalhando na região “Cheguei nesse período a vir com a polícia aqui, pois a derrubada era muito grande, a polícia inclusive prendeu no dia uma arma que no final das contas não apareceu na delegacia de Rorainópolis”, falou Lima.
Segundo Lima, a área possui um igarapé que teve suas margens completamente desmatadas pelo grileiro Edinei. “Em 14 de dezembro de 2023 trouxe a companhia independente da PM de Rorainópolis na vicinal dos Pampas, pois a destruição ambiental era muito grande e promovida pelo grileiro Edinei que se apresentou como procurador de Marcos Lima dos Santos, outro que afirma que as terras são dele. Isso tudo está no boletim de ocorrência registrado pela polícia. Hoje o igarapé não segura mais água, pois está tudo sendo desmatado pelo grileiro”, disse Antônio.
Omissão da Polícia civil
O primeiro boletim de ocorrência foi registrado pelos posseiros em 01/08/2022 na delegacia da polícia civil de Rorainópolis, referente ao registro de um fato ocorrido em 01/07/2022, as 16:30h, a denunciante foi Lucimar Vieira, o denunciado foi Edinei, o crime cometido foi enquadrado no artigo 147 do código penal brasileiro (CPB). O relato afirma que os denunciados encontraram o denunciante, com mais 4 posseiros, e afirmaram ser donos da terra e que se os mesmos não saíssem de lá eles destruiriam tudo e matariam as pessoas. Segundo o relato apresentado na delegacia, outras pessoas já tinham ido na área afirmar que eram proprietários da parcela de terra, um deles é identificado como Maranhão do Incra e a outra como Francisca.
O mesmo relato apresenta que o INCRA/RR havia informado que as terras não tinham dono e eram devolutas e pertencentes ao governo federal. Após esse primeiro registro seguiram-se outros 7 boletins de ocorrência realizados na polícia civil de Rorainópolis e Caracaraí. Em todos eles há relatos da presença de homens armados dando sustentação aos crimes praticados, conforme as denúncias foram enquadrados nos artigos: 161 §2º; 163 inciso IV; e artigo 147 todos do CPB.
Um dos registros, datado de 02/04/2024 – após a notificação da reintegração de posse pela comarca do TJ em Caracaraí –, realizado na delegacia de Caracaraí foi embasado no infringimento do artigo 50-A, da Lei 9.605/1998 de crimes ambientais, sendo relatado que as áreas das fundiárias dos lotes 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19, da vicinal dos Pampas, estavam tendo árvores da mata nativa sendo derrubada por tratores e motosserras do grileiro Edinei.
Em outro registro, datado de 10/03/2023, os denunciantes apontam que capangas, do grileiro Edinei, com tratores destruíram a casa e 60 pés de tomate, outros 300 de macaxeira, 30 de quiabo, 8 de abobora, 5 de caju e 100 mudas de plantas frutíferas de um dos posseiros.
Não há registros de que os delegados titulares dessas delegacias tenham encaminhado as denúncias para que investigações fossem realizadas, pois até agora nenhum dos denunciantes foram chamados para serem ouvidos seja no âmbito das delegacias ou do MPE, demonstrando que os processos de investigação não foram encaminhados pelas autoridades policiais. Caracterizando desta forma um ato de prevaricação dos servidores públicos, ante crimes em séries cometidos por um suspeito de grilar em terras públicas da União.
O INCRA
O órgão responsável pela reforma agrária e regularização fundiária de terras federais realizou duas visitas a região do conflito agrário, promovido por grileiros que querem tomar posse de uma área de cerca de 1,7 mil hectares, considerando o valor da terra em área de floresta em Roraima, fala-se de um valor de R$10,67 milhões. Segundo o primeiro levantamento realizado pela instituição, em abril de 2023, existem 4 grupos que disputam a parcela de terra, já comprovada como uma reserva técnica pertencente ao INCRA.
O Primeiro deles é composto pelas 49 famílias de pequenos agricultores, essas pessoas disputam a área com Carlos Alberto Sales Neto, Silvano Lúcio e Ednei Bagnara, ambos compraram lotes no PAD Anauá, após o processo de titulação da terra promovido pelo INCRA/RR entre os anos de 2019 e 2022. A área em disputa encontra-se na fundiária dos lotes adquirido irregularmente em virtude de os mesmos não enquadrarem-se no perfil para residirem em terras destinadas ao assentamento de pessoas.
A segunda visita realizada pelo INCRA, em agosto de 2024, demonstra que o senhor Ednei Bagnara quer emendar dois lotes, o de número 35 localizado na BR 174 e outro o lote 50 na BR 210. A lógica do acusado de grilagem das terras pelos posseiros familiares é transformar a área de reserva técnica que se encontra após os marcos destes lotes registrados em seu nome em uma área de sua propriedade. Considerando que a atual legislação roraimense permite o desmatamento de 50% das áreas rurais em regiões de floresta falamos em um desmatamento de mais de 1.000 hectares.
Já o senhor Carlos Neto, envolveu diversos funcionários do INCRA/RR no processo de posse da região denominada vicinal dos Pampas, ressaltando que em 2022 comprou o lote 62 no PAD Anauá, localizado na BR 210, ele também não possui perfil para estabelecer-se em áreas de assentamento. Com autorização, segundo ele, do Superintendente Maranhão do INCRA, em 2022, elaborou um projeto para exploração das terras localizadas na vicinal dos Pampas, selecionando e destinando a área da reserva técnica do PAD Anauá para algumas pessoas, com apoio integral da gestão do INCRA/RR.
O terceiro envolvido Silvano Lúcio proprietário do lote 46, localizado na BR 210, com apoio do INCRA de Rorainópolis realizou uma vistoria na área, segundo uma fonte que conversou com a equipe do INCRA/RR, o desejo de Lúcio é grilar as terras públicas federais. Esses 3 suspeitos de grilagem devem ser investigados pela polícia federal, pois o senhor Ednei Bagnara é dono de uma imobiliária, localizada na sede do município Rorainópolis, conforme podemos ver um dos serviços realizados é legalização de imóveis. O senhor Carlos Neto é empresário e afirma trabalhar com produção de açaí em larga escala.
O quarto grupo é o liderado por Marta Sales e soma 49 famílias, especialmente de idosos e mulheres que se encontram na área desde o início do ano de 2022, período que não tinha ninguém da atual vicinal dos Pampas. Após, a entrada dessas pessoas na área de reserva técnica do INCRA – antigamente usada para extração ilegal de madeira conforme relatado por um dos posseiros – os grileiros tomaram coragem de por meio da opressão, da cultura do medo e de alianças com parcelas fragilizadas da administração pública federal e estadual, impor sofrimento a essas famílias que com todo o esforço investiram o pouco que tinham de seus recursos financeiros no sonho de possuir uma terra para produzir sua subsistência.
Segundo o laudo de vistoria, realizado pelo INCRA/RR, em agosto de 2024, as terras onde se encontram os posseiros, liderados pela senhora Marta Sales, são terras federais e devem ser destinadas pelo INCRA para assentamento de pessoas nas áreas propícias, sendo as demais áreas transformadas em parcelas de proteção ambiental do PAD Anauá, essa foi a orientação final da vistoria realizada que também realizou o cadastramento das famílias e o registro da área como conflito de terra, mais de 2 anos, após a destruição das primeiras casas.
Conforme determina o laudo as terras são devolutas e de propriedade da União, a situação do poder judiciário roraimense e das forças de segurança complicam-se, por terem exercido poder discricionário sobre uma área federal, algo que não podia ser feito. A questão central é expressa por Francisco Carvalho que afirma que reverterão a liminar, as terras são federais. “No entanto, quem arcará com o prejuízo que cada um de nós tivemos com o apavoramento de ver nossas coisas sendo destruídas. Eu mesmo investi dinheiro em duas casas, a primeira queimada, a segunda cortada com um motosserra. Quem pagará esse prejuízo?”.
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