Desde o intenso fluxo na fronteira, percebido em meados de 2015, muitos venezuelanos estão em busca de refúgio no Brasil por conta da crise política, econômica e social pela qual passa o país vizinho, e se encontram em situação de extrema vulnerabilidade. De acordo com levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base em dados da Coordenação Geral de Polícia de Imigração da Polícia Federal, em 2015 cerca de mil venezuelanos viviam no Brasil.
Em 2018, essa população era de aproximadamente 30 mil pessoas, apresentando acréscimo de 3.000%. Deste total de imigrantes, o IBGE aponta que 99% está em Roraima, em grande parte divididos entre Pacaraima e Boa Vista. A população do Estado é estimada em 576,6 mil habitantes, e a da capital em 375,4 mil. Logo, o número de venezuelanos vivendo no Estado corresponde a aproximadamente 8% do total de habitantes.
As dificuldades e os desafios encontrados incluem o deslocamento, a adaptação, condições de sobrevivência e a xenofobia em relação aos estrangeiros. Eles decidem permanecer em Roraima devido à proximidade com o país de origem, no entanto, enfrentam uma economia local sem parque industrial, dependente em geral dos salários de servidores públicos, cujo PIB é o menor do país, com valor de R$ 11 bilhões, representando 0,2% em participação no Produto Interno Bruto do país, segundo o IBGE.
Alguns imigrantes estão sob estado de saúde crônico ou são vítimas de intolerância ao fazer parte de grupos minoritários como pobres, indígenas, profissionais do sexo e LGBTIs. Geralmente, as mídias tradicionais massificam a problemática coletiva da imigração, deixando de lado as histórias individuais desses sujeitos mais vulneráveis.
As relações na fronteira entre Brasil e Venezuela sempre foram muito complexas, à medida que as temos como uma zona de trânsito entre dois países com idiomas, governos, sistemas econômicos diferentes e muitos traços culturais que ora se aproximam ora se distanciam consideravelmente, além de uma relação de necessidade e de cumplicidade.
O estado de Roraima, por exemplo, depende do país vizinho para manter uma parte significativa de sua rede de abastecimento de energia elétrica, mas há mais de três meses, desde o último 'apagão' na Venezuela, o Estado é abastecido por termelétricas, o que prejudica a economia fronteiriça. Isso sem contar as relações de comércio e capital que em tempos áureos da economia de ambos os países, mantiveram negociações e convivência amigáveis. Porém, com o agravamento das crises econômicas e políticas na Venezuela e no Brasil, a relação entre estes, especialmente no trecho de suas fronteiras, começou a ficar delicada.
A fronteira entre Brasil e Venezuela se materializa geograficamente nos estados de Roraima e Bolívia, respectivamente; porém, essas proximidades não se revelam apenas em âmbito espacial, mas em diversos setores onde as parcerias se alastram por áreas como educação, saúde, economia. É notório que houve períodos em que as parcerias entre esses dois estados e os dois países foram intensas, especialmente depois de 2006 com a ampliação dos Encontros dos Governadores. Sendo a fronteira um lugar de fluxos transitórios, Brasil e Venezuela sempre tiveram nesse espaço um ponto de encontro entre suas semelhanças e divergências.
O número de venezuelanos que deixou o país chegou a quatro milhões, conforme dados divulgados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) e a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em junho deste ano.
Os venezuelanos são o segundo maior grupo populacional deslocado do mundo, ficando atrás apenas dos refugiados sírios, que alcançam 5,6 milhões de pessoas. Desde o agravamento na crise no país governado por Nicolás Maduro, o ritmo de saída de população da Venezuela tem crescido de maneira acelerada. Comparado a 2015 quando chegava a 695 mil, o número de refugiados e migrantes venezuelanos disparou. Em apenas sete meses desde novembro de 2018, aumentou um milhão.
Ambas as crises são percebidas por grande grupo de brasileiros como resultado dos governos de Chavez (Venezuela) e do PT (Brasil). Coincidentemente, desde 2015, após os resultados das eleições brasileiras que reelegeram a petista Dilma Rousseff, o Brasil também enfrenta instabilidade em diversos setores, especialmente no âmbito político, que resultou no Impeachment da presidenta em 2016. Com uma série de ataques da mídia ao governo e a associação da crise no Brasil com a má gestão do mesmo, a aproximação entre os dois países começou a ser duramente criticada, especialmente no ambiente das redes sociais, num vínculo superficial sobre as crises na Venezuela e no Brasil, pela alça da herança chavista e o Partido dos Trabalhadores.
Para a jornalista Karina Mora, natural da Venezuela, a simplificação de assuntos complexos contribui para uma construção negativa e estereotipada da imagem dos estrangeiros.
"Embora a formação cultural brasileira tenha como base os imigrantes e os jornalistas muitas vezes sejam descendentes, em geral, não propõem questões ligadas aos deslocamentos internacionais porque suas raízes já estão tão longínquas quanto a ligação com os fluxos recentes. Esse distanciamento entre jornalistas e imigrantes ocorre em diversos níveis, dentre os quais o social. Me senti mais à vontade para realizar minhas reportagens e mandar para os jornais na Venezuela porque além de falar o idioma espanhol eu tinha como criar uma relação mais empática com os entrevistados", destacou.
As notícias dos meios de comunicação são fundamentais para a criação da imagem dos imigrantes e das minorias étnicas apresentadas nos espaços e para as relações sociais entre esses grupos e os demais setores que compõem as sociedades.
A realidade dos imigrantes é construída dentro da linguagem, do discurso e das narrativas midiáticas.
De acordo com Josué Ferreira, jornalista brasileiro, a divulgação de imagens positivas ou negativas dos imigrantes, são criadas, ampliam-se ou atenuam-se estereótipos, processos de xenofobia e tensões sociais entre maiorias e minorias, entre o que se sente como “estranhos” e os que incluí como “nós”.
"A imprensa deve assumir um papel responsável e se lembrar que as suas ações são capazes de, a partir das informações veiculadas, auxiliar em uma política migratória mais adequada e mais voltada para a integração e para o desenvolvimento de práticas de valorização da dignidade humana e dos direitos humanos", acrescentou.
Atuando a sete anos no jornalismo roraimense, Neidiana Oliveira participou dos conflitos durante o fechamento da fronteira. Ela explica que a experiência foi rápida e extremamente desafiadora.
" Tentamos ao máximo checar as informações e tratar de forma ética os nossos entrevistados. Percebemos muitas situações degradantes, mas soubemos filtrar o que era notícia e o que não era".
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