Malacacheta é uma das principais comunidades indígenas da região denominada Serra da Lua, localizando-se a poucos quilômetros de onde funcionará a unidade térmica de energia a base de lenha.
A Terra indígena Malacacheta, homologada no dia 05 de janeiro de 1996, não foi citada em nenhum momento nos estudos ambientais realizados pela empresa Manabrea Engenharia Eireli para OXE - publicados no site da FEMARH - apesar de se encontrar nos limites do empreendimento que possuía previsão de conclusão da obra para o dia 04 de dezembro de 2021.
A empresa OXE apresenta um capital social de R$ 160 milhões em ações ordinárias, as quais possibilitam direito de voto, sendo os principais beneficiados a XP INFRA III com 52,5%, o Siguler guff Emerging Markets Energy Opportunities Fundo de Investimento 32,51% e o Lyon Capital I Fundo de Investimentos em Participações de Infraestrutura com 14,99%. Sendo acionária da implantação da primeira termoelétrica a lenha na Amzônia.
O EIA/RIMA da UTE Cantá e Bonfim apresentam contradições e ausências de informações que impossibilitavam a Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (FEMARH) acatar o trabalho realizado, principalmente em virtude dos povos indígenas não terem sido consultados. Em reunião realizada no início de dezembro de 2021, o senhor Paulo Garcia, representante da OXE, ficou de rapassar o estudo completo, a este jornalista, até a data de hoje a documentação não foi publicizada. O que esconde a OXE? Além da FEMARH que não respondeu aos email's encaminhados em 27/10 e 15/11 de 2021.
Desrespeito ao protocolo de consulta da região Serra da Lua
“Sempre temos que ser consultados, conhecer o modo de vida de cada comunidade, da região, o protocolo abriu a minha mente, porque já pensávamos sobre possíveis projetos que podem vir afetar a nossa terra e esse documento vai fortalecer as nossas bases”, assim começa o Protocolo de Consulta aprovado pelas comunidades indígenas da Serra da Lua, fala da liderança Adilson Wapichana, da comunidade Jacamim.
O protocolo de consulta possui o objetivo de estabelecer as regras de consulta aos povos indígenas que vivem na região da Serra da Lua. Um dos princípios estabelecidos é que as decisões sobre empreendimentos devem ser aprovadas pelas comunidades, não por pessoas, fortalecendo a participação comunitária nos processos de decisão, sobre assuntos que afetam a vida coletivamente.
O artigo 6º da Convenção 169 da OIT e o caput da Constituição Federal em seu artigo 231 definem que a instalação de empreendimentos públicos ou privados devem passar por consulta prévia das comunidades afetadas diretamente ou indiretamente, algo não realizado pela OXE, quando da elaboração dos estudos ambientais, tornando sem eficácia os estudos realizados, ainda mais devido as omissões e inconsistências contidas. Não adianta a empresa responsabilizar a pandemia pela não realização da consulta, pois o Leilão é de 2019.
Inconsistências no EIA/RIMA expõe população a riscos
O documento tornado público pela FEMARH, em novembro de 2021, possui inconsistências quando se trata das comunidades indígenas do entorno da termoelétrica a lenha. A primeira já citada acima, consiste no absurdo que foi a omissão de não incluir a TI Malacacheta no documento, local diretamente afetado pela obra.
Porém, os erros grassam em relação as comunidades indígenas, a TI Canauanim localizada no Cantá é diretamente impactada pelo tráfego à termoelétrica. No EIA/RIMA, a comunidade é localizada no município do Bonfim. O mapa abaixo comprova um dos graves erros do estudo.
“Queremos também ser consultados quando algum empreendimento for planejado ao redor das Terras Indígenas, pois esses projetos podem impactar diretamente as nossas vidas” (Protocolo Serra da Lua, pág. 22), a Professora Benedita afirma em uma das páginas que “Esse documento é importante para proteger o nosso território, sabemos o que é melhor para nós” quando se refere ao Protocolo, desrespeitado pela OXE.
A implantação da termoelétrica nas áreas limítrofes de 3 terras indígenas impõe diretamente a obrigatoriedade de consulta aos povos destes territórios, principalmente pelos impactos diretos que poderão ser causados na região e que não foram observados no estudo publicado no site do órgão ambiental do Estado de Roraima.
Precisamos proteger os animais em vulnerabilidade ambiental
O espécime Myrmecophaga tridactyla, nome científico do tamanduá bandeira integra a relação de animais em situação de vulnerabilidade do país, sendo encontrado na região do lavrado e nas áreas de transição de floresta do Estado. Outros animais em situação de vulnerabilidade também foram encontrados na região de impacto direto e indireto da termoelétrica a lenha, sendo eles: anta (Tapiirus terrestres); veado catingueiro (Mazama gouazoubira); cachorro-do-mato (Cerdocyon thous).
Os estudos não apresentam nenhuma medida de mitigação sobre o habitat destes animais, propondo apenas a criação de um Programa de Monitoramento da Fauna sem apresentação de detalhes em que consiste este instrumento. Os trabalhos realizados pelos técnicos foram desenvolvidos em 4 dias, porém não consta no documento nenhuma foto da presença do tamanduá bandeira.
No dia 23/10/2021, durante duas horas que estive nas imediações da termoelétrica a lenha, encontrei 4 espécimes de Tamanduá Bandeira, demonstrando a alta incidência deste animal na localidade, exigindo desta forma um programa claro de proteção da fauna terrestre. A suspensão imediata da obra até aprovação do programa de manejo e monitoramento de animais vertebrados terrestres que vivem nas proximidades da área do empreendimento seria o melhor caminho a ser adotado.
Ausência de informações técnicas sobre o empreendimento no EIA/RIMA
Os estudos ambientais excluem informações técnicas, impedindo as pessoas conhecerem a funcionalidade do sistema adotado em sua integralidade. As páginas 8 e 9 do EIA/RIMA, publicado pela FEMARH, apresentam resumidamente a funcionalidade da tecnologia adotada. Porém, a ausência de informações sobre a operacionalidade da caldeira, caracterizando-a como um sistema aberto ou fechado, dificultam o entendimento dos possíveis impactos gerados pelo empreendimento.
Compreender essas questões são importantes para mensurar impactos gerados sobre a vida das pessoas ou aos animais, conheça mais sobre o empreendimento acesse aqui.
Outra ausência relevante refere-se ao uso da água, essencial para gerar o vapor que movimentará as turbinas. Na publicação realizada apresenta-se apenas que será utilizado poços artesianos para funcionamento da termoelétrica a lenha. Na folha 9 consta que será consumido 43.000 litros de água por hora, porém não existem estudos geológicos que permitam mensurar a efetividade do empreendimento e possíveis impactos que possam ser gerados sobre o abastecimento das comunidades indígenas, especialmente da TI Malacacheta que possui seu limite localizado a menos de 10 km do empreendimento, bem como sobre a vegetação.
O tratamento e o destino final da água que sairá superaquecida da estrutura da termoelétrica a lenha é outra ausência no EIA/RIMA que causa preocupação devido as consequências ambientais que podem ser geradas. A ausência desta informação impede sabermos o destino deste efluente. Propõe o EIA/RIMA a elaboração de um Programa de Gerenciamento de Efluentes Líquidos, não constando informações mínimas que permitisse a aceitação do documento submetido a FEMARH. Se o Eia/Rima completo não foi publicado, será que a queima de madeira iniciará após esse programa de efluentes? É necessário que o MPF e o MPE cobrem a elaboração destes documentos.
Os estudos apresentados também são omissos na efetiva quantidade de Partículas Totais em Suspensão (PTS) e Dióxido de Nitrogênio (NO2) integrantes dos dados apresentados, com o início da operação serão lançados nas correntes de ar e disperso pela região. A ausência dos volumes de geração de gases, causa mais estranheza quando os estudos do Instituto IEMA, apresentam que o enxofre (SO) e dióxido de carbono (CO2) são gases particulados expedidos em termoelétricas a lenha, mas, no texto apresentado estes gases não aparecem.
O estudo do IEMA aponta também que a produção de energia por ciclos termodinâmicos de potência Rankine perdem entre 10% e 15% na chaminé, desta forma, dados sobre a dissipação de partículas MP 10µm (inaláveis) e MP 2,5µm (respiráveis) são obrigatórias neste tipo de empreendimento. Essas informações não integram os estudos publicados, impedindo a sociedade ter pleno conhecimento do empreendimento. Considerando que os estudos apresentam uma rosa dos ventos, determinando uma predominância de ventos oriundos do Nordeste, as comunidades indígenas Bacaba, Malacacheta e Canauani serão diretamente afetadas com a dispersão destes particulados.
EIA/RIMA não apresenta áreas a serem desmatadas
Retirar do EIA/RIMA, as áreas que serão desmatadas para suprir a necessidade de insumos a termoelétrica consiste em uma omissão muito séria, pois além de atingir a fauna da região, imporá problemas com o processo de dispersão de abelhas pelas localidades próximas, problema este já apontado pelo CIR, em 2003, quando da plantação de Acácias.
Outro fator relevante omitido no EIA/RIMA consiste na plantação de Eucalipto como fonte mais adequada a geração de energia, segundo estudos do IEMA o poder calorífico desta espécie é superior ao da Acácia. Em seu último relatório contábil, a empresa OXE apresenta que já possui mais de 5.000 hectares de eucaliptos plantados em Roraima, seja com eucalipto (nova espécie invasora) ou acácia, os estudos do EIA/RIMA publicados, não definem a área plantada necessária para garantir a produção de energia com potência de 40Mw por dia, conforme estabelece o contrato assinado entre a OXE e a ANELL.
As inconsistências, a exclusão da consulta obrigatória aos povos indígenas que residem nos limites de onde funcionará a termoelétrica a lenha, bem como a falta de um programa de monitoramento e proteção aos animais em situação de vulnerabilidade impõe a necessidade de suspensão das atividades de instalação do empreendimento, a fim de que as obrigações legais possam ser cumpridas em sua integralidade.
Bom dia com alegria!
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