Por Ana Lucia Montel
De volta à Pátria Venezuelana
Venezuelanos que “desejam” voltar ao seu país terão apoio do governo do estado de Roraima e Venezuela. Isso porque na tarde de quinta-feira (20/09), ocorreu uma reunião no Palácio Miraflores, em Caracas, capital da Venezuela Com a Governadora de Roraima Suely Campos e o Presidente Nícolas Maduro.
A repatriação terá apoio logístico do estado de Roraima, que deve disponibilizar ônibus para a viagem. A participação da governadora teve como objetivo buscar apoio para as questões energética e migratória, assuntos que afligem os roraimenses.
Nesta entrevista, a socióloga Suellen Level reflete sobre o contexto migratório que enfrenta o estado e o que esse acordo representa.
1. O que representa a política “Volta à Pátria” de Nícolas Maduro?
Sabemos que a crise na Venezuela não acabou não se modificaram as condições de vida naquele país, porém para não mostrar a fragilidade do governo de Maduro, surge essa “parceria” com o governo de Roraima, que ambos possuem interesses maiores. Os governos brasileiros não têm nenhum compromisso humanitário com esse povo que sofre. O governo local sabe o que devem esperar esses migrantes com o regresso, mas não se importam o que querem é “higienizar” a cidade, retirando esses sujeitos que sempre foram indesejados para ele.
2. O que eles podem esperar lá?
Como se sabe, a Venezuela continua em declínio, o que anula qualquer expectativa de vida melhor. Assim como no Brasil, devemos tirar nossas esperanças de heróis, mesmo porque, estes que estão aí, vêm açoitando os trabalhadores e pobres, são nossos algozes. Assim, a questão não é o que esperar, mas o que fazer lá? Lá, como em todo o mundo, é passada a hora de nos reorganizarmos enquanto classe trabalhadora e assumir a política e economia de nossos países. Somente a luta incessante do povo transformou e transformará essa realidade, que ao mesmo tempo é de abundância para uma parca minoria, e extrema miséria para a grande maioria.
3. O que eles devem esperar daqueles que permaneceram na Venezuela?
Esses migrantes não romperam com seus familiares que permaneceram na Venezuela; existe uma solidariedade, quem sai do país sai com a responsabilidade de ajudar aqueles que permanecem e vice-versa. Mas é claro que, assim como aqui tem essa forte xenofobia, eles também encontrarão os fanáticos de lá. Isso se acentua porque, tal como aqui, os próprios governantes, políticos alimentam discursos e práticas de ódio.
4. Por que, mesmo com toda a crise, eles querem voltar à Venezuela?
Muitos são os fatores conexos que levam os venezuelanos a supostamente “quererem” regressar ao país, mas entre esses fatores, definitivamente, não se soma a voluntariedade. Que tipo de liberdade de escolha tem o ser humano que passa fome ao relento, é hostilizado, tem medo de ser percebido como estrangeiro ser linchado? Certamente, em grande medida, esses migrantes, ainda que imaginassem as dificuldades que encontrariam aqui no Brasil, surpreenderam-se com a cultura do ódio com a qual foram recepcionados. Nesse sentido, não há se falar que eles escolhem retornar para o país; mais uma vez eles são encurralados, forçados a buscar subsistir.
Muitos que vieram para Roraima, por exemplo, não vieram em busca de uma vida melhor; vieram em busca de sobrevivência; vieram para não morrer de fome. Não morrer de fome ou em decorrência de uma enfermidade que seria facilmente tratável era o horizonte de vida melhor de milhares. Eles já migraram forçados pela miséria, deixaram suas casas, mas alimentando a esperança que essa situação seria provisória, que retornariam. Essa esperança de voltar para casa desde sempre acalentou esses migrantes.
5. O que fazer diante desse contexto de imigração?
Precisamos refletir o que a “democracia” reserva para o ser humano que migra para subsistir; estamos extirpando esses sujeitos desolados pela miséria sem considerar que amanhã pode ser conosco – aliás, já estamos em processo de estreitamento dos marcos da dignidade no Brasil, como o que ocorre com as reformas trabalhista, previdenciária –. Quando a economia entra em colapso, reconfiguram-se os valores de dignidade, humanidade; a única liberdade que permanece é a do mercado do mais forte.
Por isso, a questão central não é retornar ou não à Venezuela, mas a compreensão de que onde quer que estejamos, precisamos nos reorganizar e lutar. Esse não é um problema do venezuelano, do haitiano; é um problema de todo o povo pobre e trabalhador que em toda a parte do mundo tem um inimigo comum que o explora, o oprime e o descarta quando quiser.
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