O retrocesso na proteção ao meio ambiente é uma marca da gestão de Bolsonaro. Uma dessas investidas letais foi a concessão da exploração vegetal na Amazônia, para a geração de energia, como ocorre em Roraima.
“Não fomos consultados”, afirma Edinho Macuxi, Coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), ao relatar sua posição contra a construção da termoelétrica, consolidada em 31/05/2019, após a realização do leilão 01/2019, conduzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), para geração de energia e suprimento à Boa Vista e localidades conectadas, no total 7 propostas foram vencedoras. Uma das iniciativas apoiadas pelos governos, estrutura-se na disponibilidade de 40MW, oriundos da queima de madeira.
Disfarçada sob o manto de biomassa, a proposta consiste inicialmente na queima de árvores do tipo Acácia mangium wild, espécie introduzida no bioma roraimense, em meados da década de 1990. Hoje existem cerca de 30 mil hectares plantados no lavrado roraimense. Estudo realizado por pesquisadores da UFRR (https://www.scielo.br/j/rbcs/a/QXMVkBW7Hz4KVSV4pRDm4zH/?lang=pt), apontam prejuízos causados ao solo em virtude das acácias alterarem as propriedades químicas, físicas e biológicas, por sua vez, modificando os ecossistemas savânicos da região.
Lavrado é o nome popular para designar a savana estépica, localizada no nordeste do Estado de Roraima, consiste em um sistema único que possui importância para conservação da biodiversidade. Essa área possui 68.152 Km², distribui-se por Venezuela, Guiana e Brasil. Roraima concentra 62,6% desta área.
Uma das principais áreas utilizadas para cultivo das acácias, em Roraima, encontra-se nos limites da região Serra da Lua (ver mapa 1), onde se concentra cerca de 20 mil hectares da plantação. Nesta região contamos com a presença de povos originários Wapixana e Macuxi. As comunidades indígenas Malacacheta, Canauanim, Tabalascada, Campinho, Moskow e Muriru veem sofrendo os impactos pelo uso de agrotóxicos no controle químico de pragas, assoreamento de rios em virtude dos volumes de absorção de água nas áreas plantadas, bem como o aumento de colmeias na região. Essas denúncias constaram na carta da 32ª Assembleia dos Tuxauas de Roraima, realizada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), no ano de 2003.
Agora, a região será diretamente impactada pela implantação da Unidade Térmica de Energia na fazenda Santa Luzia, localizada na RR 207, limites da TI Malacacheta, Moscow e Canauanim. A termoelétrica a lenha trará para a região novos processos econômicos, além de alterações significativas ao meio ambiente e à vida social das comunidades indígenas, dada a localização do empreendimento no município de Cantá, veja mapa 2.
Um negócio esfumaçado por novas empresas
A ganhadora do leilão 01/2019, para fornecimento de energia a base de madeira foi a empresa Uniagro Comércio de Energia Ltda, criada em 08/01/2019 e extinta em janeiro de 2020, após a venda dos direitos adquiridos para geração de energia. A constituição da pessoa jurídica surge exclusivamente para disputar um dos lotes previstos no edital publicado pela ANEEL. A UNIAGRO é formada pela empresa F.I.T Timber Participações S.A e por Joel Carlos Alípio dos Santos, ocorre que o Joel dos Santos é um dos sócios administradores da F.I.T Timber Participações S.A, ou seja, a sociedade foi firmada entre a mesma personalidade jurídica.
O Forrestry Investmente Fund (F.I.T) criado em 2008, por meio da aquisição de 2/3 das ações da empresa Ouro Verde Agrosilvopastoril Ltda (OVA), sendo o aporte financeiro oriundo do grupo empresarial F.I.T Timber Growth Fund, com sede na Suíça, os sócios que constam no CNPJ da empresa são Albert Silva Mendonça e Joel Carlos Alipio dos Santos, administradores de uma holding de instituições financeiras que desenvolvem atividades de extração florestal na Amazônia.
A escabrosa política de queima oficial de árvores na Amazônia, para a produção de energia, possui agora como um dos principais controladores a XP Investimentos, com 60% da empresa OXE, com registro na receita federal datado de 28/01/2020, tendo como sócia a Carapana Participações S.A, cujo cadastro é também de 28/01/2020.
O negócio realizado entre a OXE e a Uniagro Comércio de Energia Ltda foi concretizado no mês de janeiro de 2020, os valores envolvidos não são públicos, até o fechamento desta matéria a ANEEL e a ONS não responderam aos questionamentos da legalidade dos procedimentos realizados pelas financeiras. As agências de controle foram procuradas por seus endereços de relacionamento.
A nova controladora, a OXE, assumiu a responsabilidade pela construção e operacionalização de 4 unidades termoelétricas a lenha, a serem implantadas em Roraima, conforme determina as resoluções autorizativas da ANEEL nº 8.052, 8.053, 8.057, 8.058, todas vinculadas ao processo 48500.000027/2019-14, emitidas em nome da Uniagro Comércio de Energia Ltda.
As resoluções da ANEEL contrariam claramente o item 1.1.3, do edital do leilão 01/2019, onde se estabelecia um prazo de suprimento, do produto potência para propostas oriundas de gás natural e outras fontes renováveis, de 15 anos. Quando da emissão da minuta do contrato e da publicação das resoluções outorgou-se um tempo de suprimento de 35 anos, não deixando claro se os estudos apresentados no leilão foram atualizados para garantir a geração por um período maior do que o licitado.
Porém, das 4 unidades previstas, apenas duas estão sendo implantadas, a OXE, afirma em seu relatório contábil que as instalações das unidades industriais, para queima de madeira na Amazônia, são realizadas a partir de dois núcleos operacionais, um no município de Cantá e outro no município de Boa Vista. Mas, quando da emissão de debêntures para financiar o negócio, com papéis expedidos nos meses de setembro de 2020 e dezembro de 2020, foram realizadas captações para construção de 4 centrais geradoras, não duas, arrecadando a nova controladora R$ 304 milhões.
A empresa OXE apresenta um capital social de R$ 160 milhões em ações ordinárias, as quais possibilitam direito de voto, sendo os principais beneficiados a XP INFRA III com 52,5%, o Siguler guff Emerging Markets Energy Opportunities Fundo de Investimento 32,51% e o Lyon Capital I Fundo de Investimentos em Participações de Infraestrutura com 14,99%. Fundos de investimento tornaram-se os principais acionistas do negócio no ano de 2020, burlando as exigências estabelecidas no edital do leilão 01/2019, em seu item 2.2.2, o qual exigia para participação de fundos de investimento o estabelecimento de um consórcio, com a participação obrigatória de uma ou mais pessoas jurídicas de direito privado que não fosse um FIP, o que não é o caso da OXE.
Como funcionará a queima de madeira para geração de energia na Amazônia?
A produção elétrica pelas Unidades Termoelétricas de Energia (UTE) com base em massa florestal, estruturadas pela OXE, é prevista com a utilização de instalações industriais implantadas na fazenda Jaciara II, no município de Boa Vista, e na fazenda Santa Luzia, município de Cantá.
As duas unidades implantadas serão responsáveis pela produção de 40Mw de energia, por meio da queima de madeira, oriunda das plantações de acácias já existentes, bem como da plantação de eucalipto – já existem mais de 5 mil hectares plantados pela OXE – outra espécie estranha ao bioma das savanas, introduzida por meio desta irracionalidade da produção de energia, a partir da queima de árvores na Amazônia.
As térmicas em processo de instalação no estado de Roraima – o prazo para conclusão das obras é 04/12/2021 – utilizam como princípio técnico para a produção de energia o ciclo termodinâmico de potência Rankine, sistema considerado de baixa eficiência, pois entre 55% e 75% do calor liberado pela queima do combustível não se converte em eletricidade, dissipando-se entre 10% e 15% na chaminé e 45% e 55% no condensador (ver figura 1 que exemplifica o sistema adotado).
O sistema de uso de água apresentado pela empresa em seu informe publicitário, consiste em um sistema aberto como estratégia para resfriamento do vapor d’água gerado e necessário ao impulsionamento da turbina. Essa técnica adotada em Roraima, conforme demonstra a figura 1, passa por um processo de abandono de uso no mundo, em virtude dos impactos ambientais gerados com a poluição térmica dos ecossistemas aquáticos, sua baixa eficiência e a perda de água.
6 anos do Acordo de Paris
A COP 26 será realizada em Glawgow, Escócia, entre os dias 31/10 e 12/11. Os principais líderes mundiais debaterão sobre caminhos para superar um dos principais dramas humanitários e econômicos enfrentados no mundo, as mudanças climáticas e seus impactos na qualidade de vida de cada um de nós.
Uma das principais metas previstas no acordo de Paris consiste na diminuição da emissão de carbono, a meta acordada em 2015 estabelece o teto de ampliação de 2ºC da temperatura até 2030, em relação aos níveis pré-industriais. Na cúpula realizada seis anos atrás, 191 signatários acordaram em apresentar, no encontro deste ano, suas estratégias para conter o aumento da temperatura, diminuindo, portanto, os impactos sobre a vida das pessoas, principalmente nos países mais pobres.
Os encaminhamentos propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) impõe às nações que assumam o papel de redesenhar seu processo de produção industrial, locomoção e principalmente de geração de energia. O Brasil, já em 2020, ampliou em 400 milhões de toneladas a emissão de gases de efeito estufa até 2030, essa ampliação resulta do desmonte da política ambiental do país, por meio de um processo de reocupação produtiva da Amazônia, baseada no extrativismo mineral e vegetal, processo que culminou, segundo o Programa Ambiental da ONU (Pnuma), entre os anos de 2018 e 2019, na ampliação em 10% da emissão de gases do efeito estufa no país.
Com a instalação da termoelétrica a lenha em Roraima, o governo brasileiro assume claramente uma rota de confronto às metas estabelecidas no Acordo de Paris, essa perspectiva se organiza por meio de alianças com o setor financeiro nacional e internacional, os quais financiam empreendimentos que promovem na Amazônia a perpetuação de políticas agressivas ao meio ambiente e aos povos originários.
Convenção 169 não é observada na implantação de termoelétrica em Roraima
No ano de 2004, o Brasil promulgou a observação das regras estabelecidas pela conferência geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo regramento legal estabelece, entre outras obrigatoriedades dos Estados signatários com os povos originários, a imposição de consultas aos povos indígenas quando do desenvolvimento de medidas legislativas e administrativas suscetíveis a afetá-los.
Segundo o coordenador do CIR, Edinho Macuxi, os povos Macuxi e Wapixana, moradores das terras indígenas Manoá-Pium, Moskow, Muriru, Jacamim, Malacacheta, Canauanim, Tabalascada, Jabuti e Bom Jesus não foram consultados quanto à implantação das termoelétricas a lenha. Desta forma, o desenvolvimento da proposta, por parte da ANEEL e da ONS, não cumpriu um dos critérios básicos na instalação do empreendimento econômico, o qual afeta diretamente ou indiretamente as terras indígenas Malacacheta, Moskow e Canauanim.
Almejamos como sociedade um desenvolvimento energético a base de termoelétricas?
A energia elétrica pode ser considerada uma das principais conquistas da humanidade, por meio deste desenvolvimento técnico conservamos nossos alimentos, tratamos melhor a saúde das pessoas, comunicamo-nos uns com os outros, distâncias imensas são superadas, um salto qualitativo de bem-estar gerou-se o ser humano, ou mesmo, possibilitando os processos de trabalho de transformação de bens naturais em produtos essenciais à vida.
A que ponto chegaremos para garantir essas conquistas? Essa pergunta deve ser incorporada, não apenas entre os gestores públicos, mas principalmente entre nós, trabalhadores e trabalhadoras financiadores de políticas públicas, por meio dos nossos impostos. Precisamos refletir se vale financiar a queima de árvores na Amazônia para geração de energia, ou podemos cobrar outros modelos de geração energética, a exemplo de produção solar!
A sanha lucrativa do capital e seu projeto expansivo sobre a floresta, após a soja, o gado e a grilagem de terras públicas, consiste no avanço das organizações financeiras e da sua união, para literalmente queimar a Amazônia. Não apenas o Governo Bolsonaro, mas também o governo de Antonio Denarium em Roraima e as instituições financeiras envolvidas neste processo de ganhos de capitais através do financiamento de termoelétricas a lenha, na Amazônia, devem um esclarecimento à população brasileira.
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