Por: Luiza de Lucas.
Grande parte do tempo de uma pessoa adulta é ocupado pelo seu trabalho, se tornando um fator de peso na saúde mental de trabalhadores por todo o mundo. Muita pressão pode envolver esses ambientes, como por exemplo no excesso de horas de trabalho, competitividade e em relações interpessoais.
Ao trazer esse contexto para um recorte sobre empregados da segurança pública do país, a pressão aumenta, surgindo um outro quesito além da saúde mental: a saúde física e o risco de morte em campo e durante investigações, o que pode desenvolver diversos transtornos mentais além dos comumente notados no mercado que são a ansiedade e a depressão. Muitos policiais e agentes de segurança acabam por desenvolver receio de ir a campo, o que pode resultar num afastamento devido sua saúde mental.
Podemos re-relacionar o desenvolvimento de transtornos mentais com mais um ponto estrutural do mercado, o desemprego. De acordo com um levantamento feito pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), transtornos mentais relacionais principalmente a ansiedade atingiu 70% dos brasileiros desempregados.
“Além de forma de garantir renda, o trabalho é fonte de interação social, realização, desenvolvimento e aprendizado. Desta forma, quando inserido em um grupo de trabalho, o indivíduo estabelece relações – das mais variadas, desde positivas até as negativas – e, ao ficar desempregado, todas as áreas citadas (renda, interação social, realização e aprendizado) podem ser comprometidas”, afirma a psicóloga da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, Rita Calegari para o portal Conexão.
No caso de servidores da segurança pública, o problema da falta de remuneração devido afastamento por questões de transtornos mentais não é relevante, pois são empregados oficiais do estado/federação, mas em contrapartida podem ter seus equipamentos como armas e algemas confiscados seguido de afastamento de seu posto.
Isso se torna uma questão preocupante ao olharmos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que registrou 343 agentes da Polícia Civil e da Polícia Militar assassinados só no ano de 2018. Esse afastamento (que pode ou não ser acompanhado de tratamento psicológico) também pode se relacionar com o fato de os número de suicídio entre policiais também ter aumentado. No ano passado foram registrados 104 casos de suicídio entre policiais.
Outra questão preocupante são os diversos tipos de assédio e machismo sofridos por policiais mulheres em seus locais de trabalho, seja por parte dos colegas ou por parte da população, já que estruturalmente é um local majoritariamente populado por homens. A seguir, montamos uma série destes tipos violência e no que cada um consiste.
O psicólogo Rodrigo Scalabrin fala sobre a importância do acompanhamento psicológico de policiais mulheres, e apresenta uma outra sugestão de como lidar com esses problemas de assedio e machismo estrutural.
"sim, é importante que as policiais mulheres tenham um suporte psicológico para cuidados de sua saúde mental, mas acredito que mais importante do que isto é uma intervenção em psicologia organizacional na instituição, para REEDUCAR os homens, ensinando a respeitar, a valorizar, a trabalhar em conjunto com essas mulheres, pois elas têm muito a contribuir. O mais importante para reduzir ou extinguir os assédios sofridos nessas instituições é o esclarecimento sobre essas questões, pois ninguém que venha a ser vítima de qualquer forma de assédio deve ficar calada, e sim denunciar para que sejam tomadas as providencias cabíveis ao caso."
O malabarismo de uma mulher entre trabalho, filhos e saúde mental
Uma policial do estado de Roraima, que preferiu não revelar seu nome e sua categoria, fala um pouco da sua experiência na profissão e também sobre como é a dupla jornada de trabalho sendo mãe solteira de três filhos.
“é uma missão e tanto. Entrei pra academia de polícia em 2004, com uma filha de dois anos e pouco, uma de 11 e outro de 7, era complicado mas dava pra manejar. Alguns anos depois me separei e as crianças ficaram comigo, foi aí que percebi que precisava de ajuda.”
O psicólogo Edinaldo Lima fala sobre isso, diz que o que é comumente requerido das mulheres na sociedade é que “trabalhem como se não tivessem filhos, e sejam mães como se não tivessem trabalho”, e fala que isso é uma questão problemática e hipócrita da sociedade em que vivemos, já que em diversos ambientes de trabalho e empresas há a desigualdade salarial sobre um mesmo cargo desempenhado por um homem e uma mulher, e também o número de oferta de trabalhos serem diferentes em muitos casos.
A policial conta que nessa época, não teve incentivo externo a procurar ajuda profissional psicológica nem sabia locais que ofereciam atendimentos gratuitos, e mesmo se tivesse o incentivo não teria tempo devido à dupla jornada de mãe e trabalho. Depois de muitos anos, ao ser transferida para uma delegacia do interior do estado ocorreu um incidente que a fez ser afastada de seu posto.
“Fui afastada do trabalho depois de sofrer perseguição e pressão psicológica por parte de um companheiro de trabalho em uma delegacia lá do interior. Tive minha arma recolhida pela categoria pra poder ser transferida pra um setor totalmente administrativo da polícia. (...) A profissão em si me agrada muito, mas como em todas as outras, há falhas estruturais. Como é uma profissão predominantemente masculina, como outras também, há o machismo presente”
A servidora conta que eventualmente entrou num estágio depressivo, foi então que soube da existência do tratamento psicológico e psiquiátrico gratuito pela Apics (Academia de Polícia Integrada Coronel Santiago),onde iniciou seu tratamento tendo acesso a uma equipe de profissionais específicos em tratar a saúde mental de policiais.
O setembro amarelo acabou, mas isso não significa que o tempo de procurar cuidar da saúde mental também acabou. Em Boa Vista, além da Apics que oferece tratamento gratuito especializado para policiais, há outras instituições que oferecem acompanhamento psicológico e psiquiátrico, como consta no infográfico ao lado.
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