Após a opressão da ocupação espanhola que atingiu o povo Warao na região do delta do Orinoco, os indígenas, sofreram recentemente com a onda imigratória imposta pelos problemas políticos e econômicos na Venezuela, mas, um dos principais fomentadores deste novo processo de deslocamento contra os indígenas Warao, reproduz os interesses econômicos do período colonial, o extrativismo, especialmente de minérios.
A BR 174 foi uma das principais saídas dos Warao, diante da fome que se estabeleceu na Venezuela, após a ordem executiva do governo estadunidense de Donald Trump, em janeiro de 2017. A estrada foi a rota da esperança de trabalho, estudo, moradia e principalmente dignidade para viver.
Ao chegarem em Boa Vista enfrentaram o completo abandono por parte do Governo Federal, impondo a necessidade da construção de logísticas espontâneas que garantissem o direito a dormir, sem ser na rua. Desta forma, surge o primeiro abrigo espontâneo de imigrantes venezuelanos, o abrigo do Pintolândia.
O abrigo espontâneo organizado no final de 2016 e consolidado em 2017, no bairro pintolândia, organizou-se em um ginásio poliesportivo abandonado pelo poder público, localizado na rua Rosa de Oliveira Araújo.
Inicialmente a convivência entre indígenas e não indígenas imigrantes foi uma realidade, porém no segundo semestre de 2017, o Governo do Estado de Roraima, diante da omissão do Governo Federal, resolveu em parceria com algumas organizações internacionais consolidar o abrigo para imigrantes indígenas, espaço que no primeiro semestre de 2018 teve sua gestão repassada a operação acolhida.
A Operação Acolhida consiste em um arranjo institucional criado pelo Governo Federal em fevereiro de 2018, tornando-se em um espaço de atuação institucional do poder público e de organismos sociais, nacionais e internacionais, sob o comando das forças armadas, chefiada por um general e com segredo de Estado sob os gastos públicos.
Nasce um abrigo para imigrantes indígenas
“Somos indígenas e possuímos nossa autonomia e nossa cultura, porém isso nunca foi respeitado pela operação acolhida, os Aidamos (lideranças indígenas Warao) nunca foram ouvidos, pelo contrário, eram deslegitimados pelas forças do Estado brasileiro e organismos internacionais”, afirma Euligio Baez.
A alimentação, a sustentação econômica e os ritos culturais não eram respeitados dentro do processo de abrigamento. “Nós fomos como escravizados novamente, a exemplo da forma como fizeram os espanhóis quando chegaram em nossas terras”, aponta Baez. Este processo estabeleceu sempre uma relação tensa, impondo opressões que impunham inclusive denúncias de castigos impostos aos Warao em processo de abrigamento, acesse a reportagem para conhecer melhor https://reporterbrasil.org.br/2021/08/exercito-cria-canto-dos-maus-tratos-em-abrigos-de-rr-para-confinar-indigenas-venezuelanos-alcoolizados/.
Para o Cientista Social, Amazoner Arawak, o que ocorreu no abrigo do pintolândia foi a tentativa de retirar dos indígenas sua condição de existência. O estado brasileiro não os reconheceu como povo indígena Warao. Tratá-los como imigrantes impõe uma violenta ruptura ante os valores e direitos culturais, sociais e humanos que fundamentam a existência do povo Warao. Essa prática institucional consiste em um grave atentado e violação aos direitos internacionais dos povos indígenas.
Jose Chinel, vice-aidamo, aponta que durante os seus 6 anos de abrigamento no pintolândia a proibição de falarem seu idioma foi um fator que machucou muito. “Não nos respeitavam como lideranças indígenas, reproduziram aqui o processo colonial de opressão sobre o meu povo, tentaram silenciar meu povo”, falou.
Fim das atividades do abrigo para imigrantes indígenas
Em 21/11/2021, pouco mais de 4 anos da criação do abrigo para imigrantes indígenas da Venezuela, um representante da ACNUR (Agência da ONU para trabalho com populações em situação de refúgio), reuniu os mais de 620 indígenas Warao e comunicou que as atividades da operação acolhida, no abrigo do pintolândia, estariam encerrando as atividades. Todos seriam transferidos para o abrigo Rondon III.
Segundo os 5 Aidamos que permaneceram, na hoje denominada comunidade indígena Warao Jakera-Ine, eles não foram consultados em nenhum momento, ao contrário, viram suas falas serem silenciadas pela operação acolhida, sendo dado apenas o direito de saírem de um processo de abrigamento indígena, para voltar a conviver em um abrigo que também vive a população imigrante não indígena.
A data de saída foi definida para 15/03/2022. No dia posterior o exército brasileiro compareceu ao abrigo para realizar a remoção das famílias indígenas, as lideranças locais resistiram a remoção forçada e vivenciaram abusos por parte das forças armadas que cortaram punhos de rede e retiraram toda a infraestrutura existente na localidade. Violência e truculência marcaram a atuação das forças armadas, denunciou a @resistirproduções, por meio do Instagram da organização.
Surge a comunidade Warao Jakera-Ine
Resistiram ao processo de remoção forçada 278 indígenas Warao, constituindo a comunidade indígena Jakera-Ine, onde residem 148 crianças, uma grande maioria de meninos e meninas indígenas Warao de nacionalidade brasileira. Boa parte organizaram suas residências no interior do Ginásio, porém, devido a limitação do espaço muitas famílias estruturaram suas residências na área externa, utilizando como materiais de proteção folhas de compensado e lonas de plásticos, os quais apresentam desgaste devido as chuvas e ao sol.
Segundo o Aidamo, Adrian Balbuena, as principais dificuldades enfrentadas consistem na garantia da alimentação e do material de higiene e limpeza. “A saída da operação acolhida trouxe essa dificuldade, mas, hoje temos autonomia de nos organizarmos, respeitando nossa cultura, nossa liberdade, mas principalmente mantendo nossa dignidade, ante a remoção forçada que queriam fazer”, disse Balbuena.
Mesmo diante das ameaças de suspenderem o fornecimento de comida, os indígenas resistiram, impondo a operação acolhida continuar com o fornecimento de 3 refeições diárias. “Ocorre que não existe um horário certo para chegada da comida. Nossas crianças hoje estão indo para escola sem poderem tomar o café da manhã, pois tem que estar na escola as 7:30h e o café chega por volta de 9h, além disso é disponibilizado apenas 209 quentinhas, para alimentar a população de 278 indígenas”, falou Antônio José Centeno Jaimes, Aidamo Warao.
Os indígenas Warao criaram uma campanha solidária para arrecadação de alimentos, roupas e material de higiene e limpeza. O Diretório Central dos Estudantes (DCE), da UFRR, organizou um ponto de coleta.
Quem tiver interesse em ajudar a comunidade Warao pode destinar as doações conforme o banner da campanha publicitária lançada pelos acadêmicos da universidade.
Uma das necessidades consiste em materiais para higiene das mulheres, principalmente quando se encontram no período menstrual e material de limpeza para garantir a salubridade e higiene dos espaços coletivos, principalmente os sanitários.
“Apesar da situação não ser fácil, aqui estamos cuidando de nosso povo, superamos a opressão e trilhamos um caminho que busca garantir nossa autodeterminação, mesmo diante das ameaças frequentes de remoção, praticadas pelo Estado. Temos nosso artesanato, as pessoas trabalham e vamos vivendo de forma a buscar nossa melhoria da qualidade de vida e um futuro melhor para nossos filhos. Não queremos ser um peso para ninguém, mais queremos nosso direito de poder viver com dignidade”, disse o Aidamo Jeremias.
O que buscam os indígenas Warao?
A garantia do direito de suas crianças e jovens estudarem foi um dos pontos determinantes para que não aceitassem a remoção forçada para abrigo Rondon III, conforme queria a operação acolhida. “Não tínhamos garantia de que nossas crianças continuariam a estudar. Isso se comprovou, pois, das famílias que possuíam crianças nas escolas, aqui próximo a comunidade Jakera-Ine, e foram para o abrigo Rondon III, apenas 5 crianças estão estudando. Não queremos isso para nossos filhos. Queremos seu direito de estudar”, falou Chinel.
Para o Aidamo, Euligio Vaz, eles possuem hoje nos arredores da comunidade Jakera-Ine relações sociais com as pessoas, acesso aos serviços públicos e formas de trabalho. “Tudo isso seria perdido mais uma vez se aceitássemos a remoção. Por isso que decidimos permanecer e construir nosso caminho, com apoio das organizações humanitárias, mais com respeito a nossa cultura”, disse.
O Aidamo Jeremias afirma que sempre apresentaram solução ao abrigamento. “Sabemos que a condição de imigrante é temporária, não podemos ficar o tempo todo neste local. Mas, hoje é a condição que temos para viver com dignidade e respeito a nossa cultura e valorização de nosso povo. Lutamos para que o Estado brasileiro possa nos destinar um pedaço de terra para que possamos viver, produzir e criar nossos filhos. Além disso estaríamos ajudando a sociedade brasileira que nos recebeu tão bem”, disse.
A Convenção 169 não é respeitada
O Brasil é signatáio da convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estrutura que estabelece normativos legais em respeito aos povos indígenas que precisa ser observada pelos signatários,
“O Brasil é um dos países que assinaram a Convenção, não podem então agir desta forma, desrespeitando os povos indígenas, somos imigrantes, mas antes de tudo somos indígenas e precisamos da proteção do Estado”, falou Teodomiro Gomez, indígena Warao que vive na comunidade Jakera-Ine.
O áudio da cobrança de Teodomiro Gomez, consiste em um verdadeiro grito de resistência e força as lideranças mais jovens.
Em 30/04/2022 a @resistirproduções gravou um programa ao vivo com os Aidamos da comunidade indígena Warao, Jakera-Ine, clique no link para acompanhar os relatos de um povo que vive na luta pela sua dignidade e no enfrentamento da opressão.